A advocacia é, por tradição, uma profissão liberal significando, entre outras coisas, que o advogado deve ser uma pessoa de julgamento independente. E isto é assim porque o advogado tem por missão uma tarefa muito importante na sociedade, que é a de contribuir para fazer justiça.
Ao contrário da visão que se generalizou nos últimos anos, e que foi acompanhada de uma enorme queda no prestígio social da profissão, a função do advogado não é safar um cliente criminoso ou acusar uma pessoa inocente, porque isso não é fazer justiça, é fazer injustiça.
Quando o juiz se senta na tribuna, ladeado por dois advogados - um de acusação e outro de defesa - a função do primeiro é salientar a gravidade do crime cometido pelo réu para que o juiz o condene; e a função do segundo é proteger o réu de uma pena excessiva ou desproporcionada. Em ambos os casos, os advogados estão lá para coadjuvar o juiz a fazer justiça.
Daí que ao advogado seja exigido um sentido de justiça quase tão elevado quanto aquele que se exige ao juiz. Ora, sentido de justiça, e liberdade para o exprimir, só as pessoas - e pessoas que sejam independentes -, o possuem, e daí o estatuto de profissão liberal que tradicionalmente é reservado à advocacia.
A situação muda de figura quando aos advogados é permitido associarem-se em sociedades de natureza capitalística. A uma sociedade, ao contrário de uma pessoa, não se pode exigir sentido de justiça. Uma sociedade é uma abstracção, ela própria uma construção jurídica. Só as pessoas podem ter sentido de justiça, nunca uma sociedade.
O sentido de justiça dilui-se com a organização dos advogados em sociedades. Mas não apenas isso. Se a um advogado, em regime de profissão liberal, se pode exigir, no exercício da sua actividade, que seja guiado por critérios de justiça, já a uma sociedade de advogados não se pode exigir o mesmo, nem sequer esperar que ela o faça.
É que a condição sine qua non para que uma sociedade de advogados possa sobreviver e prosperar não é que ele contribua para fazer justiça - é que tenha lucros (ou pelo menos que, a prazo, não tenha perdas). Ora, ganhar dinheiro é algo que uma sociedade de advogados pode fazer patrocinando uma causa justa ou uma causa injusta, desde que o cliente tenha dinheiro para a pagar.
As sociedades de advogados põem em segundo lugar a justiça e em primeiro o dinheiro. No caso do Arlindo Marques, a causa é injusta. Mas o cliente (Celtejo) pode pagar e a Cuatrecasas nem olhou para trás. Um advogado de verdade - daqueles que vêm a sua missão como a de fazer justiça e não meramente como a de fazer dinheiro - teria rejeitado patrocinar esta causa.
As sociedades de advogados corrompem o ideal de justiça pondo em seu lugar o dinheiro. Corrompem o ideal de justiça e o próprio sistema de justiça. Senão, veja esta notícia (cf. aqui) e depois pergunte-se: "Para que é que uma sociedade de advogados há-de querer empregar um juiz do Supremo?". A resposta está mesmo debaixo dos olhos.
As sociedades de advogados deviam ser proibidas e os advogados voltarem à sua antiga tradição de profissionais liberais.
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