A excelente entrevista dada hoje ao Expresso pelo presidente cessante do Supremo Tribunal de Justiça, Juiz Henriques Gaspar, tem o título sugestivo "Estamos a caminhar para uma república penal".
Excerto:
Prende-se de mais em Portugal?
-Sim. É um dos temas que me preocupam e que tem que ver com os direitos fundamentais. Não sei de quem é a culpa. Teremos de perder algum tempo para saber porque é que, tendo nós a criminalidade que temos, temos um nível de presos por 100 mil habitantes mais elevado do que Itália ou Espanha.
Porque é que isso acontece?
-Pode ser por causa da lei ou de um excesso penal, por exemplo. Tenho a noção que estamos a ir um pouco a reboque da União Europeia, com uma política criminal à flor da pele e a caminhar para uma república penal. Qualquer coisa tem de ser um crime?
Comentário:
É claro que isto acontece, em primeiro lugar, porque temos uma burocracia acusadora - o Ministério Público possuindo o monopólio da acusação criminal - que ninguém controla, um verdadeiro "Diabo à Solta", que em cada cidadão vê um criminoso em potência, que acusa irresponsavelmente e, depois, vai para o tribunal, sentar-se ao lado do juiz e pressioná-lo para que ele condene e, no limite, ponha o cidadão na prisão, nem que tenha de descobrir o crime à lupa.
Em segundo lugar porque a advocacia, que era antes uma profissão liberal, deu lugar a grandes sociedades capitalistas de advogados cuja prioridade deixou de ser a justiça, para passar a ser o lucro, e que utilizam o sistema de justiça, e frequentemente o manipulam, para esse fim. Intimidar pessoas (singulares ou colectivas), e ameaçar extorqui-las, utilizando para o efeito o sistema criminal de justiça, passou a ser um serviço que as sociedades de advogados oferecem com lucro aos seus clientes, ou que elas praticam em nome próprio. O crime passou a ser um negócio.
As duas razões não são independentes, pelo contrário, estão bem interligadas. A despeito do nome pomposo, os magistrados do Ministério Público são, na realidade, advogados - advogados do Estado -, colegas de profissão, e frequentemente de Faculdade, dos advogados do sector privado. É a combinação perfeita para dar seguimento a um processo-crime contra um qualquer cidadão ou empresa. Por outro lado, na Assembleia da República, onde se fazem as leis penais, são ainda os advogados que estão em maioria. O que é que se pode esperar desta combinação explosiva, senão a criminalização da sociedade e a comercialização do crime?
As principais razões são estas. Mas evidentemente o Juiz Henriques Gaspar, pela posição que ocupa, não as podia dizer.
Sem comentários:
Enviar um comentário