15 julho 2018

todos para a cadeia

O sistema penal português, tal como o espanhol, é frequentemente descrito como um sistema acusatório. De facto, os pratos da balança estão muito desequilibrados em favor da acusação.

Quem acusar alguém, ainda que este esteja inocente, tem enormes probabilidades de ganhar. (Neste sistema, acusar é um negócio com elevada expectativa de lucro, um tema ao qual voltarei mais tarde).

Onde é que Portugal e Espanha foram buscar um tal sistema penal?

À família, a mais antiga das comunidades humanas, que é onde a Igreja Católica também o foi buscar.

O filho mais novo queixa-se ao pai que o filho mais velho lhe bateu. O pai vai certificar-se da verdade, acusa o mais velho e, em seguida, julga-o. O pai conduz ao mesmo tempo a investigação criminal e julga. O pai é o juiz-acusador que corresponde à figura do juiz-de-instrução no nosso sistema penal (e que na Inquisição correspondia à figura do juiz do Tribunal do Santo Ofício).

Hoje, em Espanha e Portugal, representando um progresso face à Inquisição, para além do juiz-acusador (juiz-de-instrução), existe um segundo juiz, o chamado juiz de julgamento, uma designação muito curiosa porque mostra toda a realidade, a de que há juízes que não julgam, há "juízes" que são juízes só no nome (os juízes-de-instrução ou juízes-acusadores).

O nosso sistema de justiça, tal como o espanhol, é um sistema de justiça paternalista, centrado na autoridade do pai de família (ou do Papa da Igreja Católica). O pai de família, tal como o Papa da Igreja Católica, reúne os três poderes: governa a casa, dita as leis e aplica a justiça. O rei absoluto também.

Ele é a figura de unidade da comunidade, a família num caso, a Igreja no outro, que também pretende formar uma família entre toda a humanidade. O nosso sistema de justiça é um sistema de justiça que pretende assegurar a unidade da comunidade. É de inspiração familiar ou católica.

Ora, a democracia partidária moderna oriunda do protestantismo é o contrário de tudo isto.  Mata-se o pai (Papa) e a mãe (Igreja) e são os filhos que se apropriam da casa. Em breve se vão dividir em grupos concorrentes (facções ou partidos), como o protestantismo se dividiu,  para conquistarem o poder e governar a casa.

Mas, é claro, a facção que conquistar o poder e governar a casa, a melhor coisa que tem a fazer para acabar com toda a oposição é pôr todos os oposicionistas na prisão. Esta casa nunca vai viver em paz, a menos que se dividam os poderes, que quem governa não possa adjudicar a justiça, que o poder judicial seja independente do poder político (executivo e legislativo), na realidade, um contra-poder. Caso contrário, o resultado é certo: os oposicionistas vão todos para a cadeia.

A democracia partidária assenta nesta separação institucional estrita, esta independência  entre o poder judicial e o poder político, esta impossibilidade de o poder judicial ser utilizado para fazer política.

A Espanha ainda não chegou lá (Portugal também não). E é isso que faz a gozação internacional. São democracias de "trazer por casa" onde o sistema de justiça está inspirado na vida doméstica da família e ao serviço daquele que, na ocasião, faz a figura do "pai" - o chefe do executivo e seus acólitos.

(É claro que eu não tratei aqui outra questão relacionada que é a de saber se a casa é melhor governada pelo pai ou pelos filhos divididos em facções ou partidos)


1 comentário:

José Lopes da Silva disse...

"Quais foram as diferenças entre os dois países [Portugal e Alemanha] que o incomodaram mais?"
Hugo Almeida: "É um povo muito fechado, que quando não nos conhece nem sequer nos passa cartão. Não tem nada a ver com o nosso povo que é alegre e gosta de receber. Aquilo não, são pessoas frias, que parece que não têm sentimentos, muito fechadas. Custou-me bastante até porque a minha filha mais velha estava para nascer."

http://tribunaexpresso.pt/a-casa-as-costas/2017-07-01-Hugo-Almeida-O-Daguestao-e-o-faroeste.-Um-dia-sai-de--casa-e-vi-uma-pessoa-ser-abalroada-por-um-carro-que-seguiu-como-se-nada-fosse