14 junho 2018

um inferno

Quando, há cerca de um ano, foi produzida a acusação contra mim pelo Ministério Público e que mais recentemente me levou a julgamento, eu senti que desta vez era diferente.

Eu já tinha sido objecto de queixas-crime do mesmo género duas vezes por aquilo que dizia ou escrevia em público. A primeira, nos anos 90, pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, era ministro das Finanças Eduardo Catroga do PSD.

A segunda, pela Direcção Geral dos Impostos, era director-geral Paulo Macedo, o ministro da Saúde do Governo PSD/CDS que viria a apadrinhar a obra do Joãozinho.

Mas esta era diferente, excepto que também vinha do PSD, e  acabaria por ir a julgamento. Esta era grande e em forma. Esta era um linchamento na praça pública.

Procurei a minha defesa e fui encontrá-la justamente na jurisprudência do TEDH sobre a liberdade de expressão e sobre o conflito entre a liberdade de expressão e o direito à honra. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como o seu artigo 10º,  é lei em Portugal com a correspondente jurisprudência (cf. aqui).

Será ainda essa jurisprudência que invocarei no recurso junto do Tribunal da Relação do Porto relativamente à condenação em primeira instância que recebi esta semana, e julgo que o assunto ficará por aí. Tanto mais que a Relação do Porto é uma das que mais cedo interiorizou em Portugal a jurisprudência do TEDH nesta matéria (por outras palavras, é uma das mais liberais, senão a mais liberal, do país).

Por essa altura, comecei a escrever sobre o assunto e, em breve, se chega à conclusão óbvia de que a jurisprudência do TEDH é de tal modo ampla ou liberal que se pode dizer tudo acerca de uma figura pública, excepto quando as afirmações causem alguma forma de comoção social (pânico, alvoroço, medo, etc.).

Ora, esta jurisprudência vem dos países do norte da Europa, dos países protestantes que foram os criadores da democracia moderna e os campeões do liberalismo. Evidentemente, ela só pode chocar a cultura de um país, como Portugal, que foi, juntamente com a Espanha, o campeão de tudo o que é oposto. É a cultura dos países da Reforma a entrar nos países da Contra-Reforma.

A certa altura um leitor, suponho que o José Lopes da Silva, perguntou-me pela caixa de comentários se eu concordava com aquela jurisprudência quando é certo que desde há anos eu vinha refreando os meus ímpetos em relação à viabilidade do liberalismo em Portugal.

Na altura, não respondi. Vou responder agora.

Primeiro, concorde ou não, esta é a jurisprudência vigente em Portugal e tem de se aplicar. Foi de resto, por aí, que eu fui absolvido do crime de difamação que me era imputado pelo Ministério Público/Paulo Rangel. No caso da Cuatrecasas, o juiz considerou que aí o direito à liberdade de expressão era mais restritivo e condenou-me.

Segundo, se eu concordo ou não. A minha resposta é a seguinte. No dia em que todos os portugueses aprendam e interiorizem aquela jurisprudência que é imensamente liberal - eu peço a Deus que tal nunca aconteça senão de forma muito lenta e gradual - Portugal torna-se um inferno. Aquilo não é feito pela nossa cultura e não está feito para a nossa cultura.

1 comentário:

José Lopes da Silva disse...

Perguntei isso, sim - e está tudo dito.
Ou como diria o nosso Fernando Rocha, um homem do povo:

"Mainada!"