14 junho 2018

doce

Eu estou certo de que, se algum dia vier a contribuir para uma sociedade verdadeiramente democrática e livre em Portugal - no sentido de uma verdadeira democracia moderna como aquelas que sairam da revolta protestante e que nós procuramos imitar desde 1974 -, eu estou certo, dizia, que me vou arrepender.

Já há cerca de dez ou doze anos eu tinha refreado esses ímpetos de uma maneira, e por causas, que o Rui Albuquerque, muito bem retratou aqui.

Mas agora, a Cuatrecasas e o Ministério Público, com aquelas acusações miseráveis que produziram sobre mim, e que nenhuma serviu de base à minha condenação, deram-me um novo ímpeto. Pareço, em parte, o velho Alexandre Herculano que, com a minha idade, mas desiludido, já se tinha recolhido a Vale de Lobos.

Trata-se, porém, de uma espécie de Herculano renascido, para quem já não é tão importante se a TAP é pública ou privada, se a poluição dos rios se pode resolver com a sua privatização, se o SNS se pode ou não apropriar dos órgãos de uma pessoa sem compensar a família, se o dinheiro público se deve gastar no município ou em Lisboa, mas para quem passou a ser mais importante aquela liberdade por onde começou o liberalismo e a democracia - a liberdade de expressão.

E estou certo de que me vou arrepender outra vez.

Porquê?

Porque essas sociedades são imensamente duras para viver, especialmente as relações pessoais.

Ao passo que Portugal é doce.

Uma vez ou outra encontra-se uma situação ou outra perante a qual nos encarniçamos. Mas depois tudo isso passa.

E fica aquilo que interessa, é bom e é duradouro - a doçura do país e das pessoas.

Quanto à questão do julgamento e da sentença e da condenação, eu não atribuo importância a isso, excepto num ponto: conhece algum intelectual português - daqueles que ficaram para a história, que são poucos - que não tenha tido problemas com a justiça ou com as autoridades, e sempre por causa da liberdade de expressão?

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