Nos três referendos que na últimas décadas foram realizados sobre a independência de uma região de um país (dois no Québec, Canadá, e um na Escócia, Reino Unido) em todos venceu o Não.
Trata-se, em ambos os casos, de países da tradição anglo-saxónica, onde a democracia nasceu e possui a mais longa tradição.
Em nenhum caso, como em Espanha, o Governo central dos dois países considerou um crime o desejo de uma parte da sua população querer a independência. Aquele era um problema político e tinha de ser resolvido pelos políticos, não pela justiça.
Eu vivia na altura do primeiro referendo (1980) sobre a independência do Québec em Ottawa, a capital federal do Canadá, situada na Província do Ontario, e que faz fronteira com a Província do Québec.
Era primeiro-ministro do país Pierre Trudeau, pai do actual primeiro-ministro canadiano, ele próprio nascido no Québec mas partidário do Não à independência. A dirigir o governo provincial do Québec estava um independentista radical, René Lévesque, líder do Parti Québecois.
E o que fez Trudeau e o seu Governo?
Foram à luta fazer campanha pelo Não. Ele fez um discurso famoso em Montreal, a maior cidade do Québec, a uma semana do referendo, ao qual muitos atribuem a vitória do Não (cf. aqui, parágrafo 9.1). O Não acabaria por ganhar com cerca de 60% dos votos.
Num outro referendo realizado já nos anos 90, o resultado voltaria a ser Não, embora por uma escassa margem.
Por que é que os políticos espanhóis em Madrid não permitem o referendo na Catalunha e não vão à luta como fizeram os seus congéneres no Canadá e no Reino Unido? A julgar pelos casos precedentes o resultado seria muito provavelmente Não.
Então porquê?
É uma questão cultural e não é simples de responder. Os políticos em Espanha e Portugal julgam-se uma espécie de aristocratas, como se nós ainda vivêssemos em monarquia absoluta, e um aristocrata não suja as mãos nem arregaça as mangas.
Por outro lado, o Ministério Público (Fiscalia) em Espanha, como em Portugal, vive em roda livre e ele próprio tomou a iniciativa de judicializar a questão. Desnecessário será dizer que os juízes e a justiça serão as principais vítimas desta judicialização de um problema que é político, na realidade, já estão a ser. A democracia no país sofrerá por arrasto.
O assunto acabará por ser resolvido no TEDH e ao abrigo do célebre Artº 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - o artigo que se refere à liberdade de expressão que tantas vezes tenho referido aqui recentemente.
O TEDH dará razão aos independentistas, ordenará ao Estado espanhol que liberte os independentistas presos e permitirá o regresso dos exilados, ordenará a realização de um referendo e será uma vergonha para a justiça do país.
A independência da Catalunha será decidida em Estrasburgo, o que é o cúmulo das ironias. Porque, depois de todas estas tribulações, o mais provável é que o resultado do referendo na Catalunha seja um robusto Sim.
Faz toda a diferença um país nascer democrático, como o Canadá, ou absolutista, como a Espanha. Num, o comportamento democrático emana naturalmente dos políticos. No outro, os políticos têm que o aprender.
1 comentário:
Espanha podia fazer uma coisa engraçada nessa situação, negar a autoridade do TEDH... seria também muito engraçado ver o que acontecia a seguir... expulsão? sanções?
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