"A exclusão recente do livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" do escritor José Saramago do acesso a um concurso internacional de literatura, por parte da Secretaria de Estado da Cultura (SEC), veio repor de novo a questão da eficácia com que o poder político utiliza os dinheiros dos contribuintes para promover a cultura.
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É possível fazer uma lista das principais figuras da cultura ocidental: Sócrates, Aristóteles, Jesus Cristo, Leibniz, Galileu, Copérnico, Descartes, Rousseau, Darwin, Shakespeare. A um nível mais restrito, é possível também enumerar as principais figuras da cultura portuguesa: Camões, Gil Vicente, Pedro Nunes, Antero de Quental, Alexandre Herculano, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, etc.
Estes homens possuem uma característica em comum: todos eles foram perseguidos - no mínimo, ignorados - pelo poder político do seu tempo. Alguns foram mortos, e um foi literalmente crucificado.
A razão é que toda a verdadeira obra cultural acaba por se revelar perturbadora da ordem social existente, alterando, por vezes drasticamente, os privilégios e os poderes instituídos (...)
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Julgando em retrospectiva, os verdadeiros produtos da cultura ocasionaram sempre mudança. O poder político, pelo contrário, depende da estabilidade para se manter. Daí que nenhuma grande obra do espírito humano tenha alguma vez obtido o apoio - muito menos os subsídios monetários - do poder político instituído. Na realidade, encontrou sempre a oposição e frequentemente a perseguição - no mínimo, o desprezo e o silêncio.
Em Portugal, a última grande geração de intelectuais - a geração de 70 - viveu sempre em oposição e, frequentemente, sob a perseguição do poder político. (...) O maior símbolo da cultura portuguesa - Camões - morreu na miséria.
Mesmo quando não foram perseguidos, os grandes homens que marcaram a civilização nunca foram bem julgados pelas gerações dos seus contemporâneos. Os seus contemporâneos ressentiam-nos precisamente porque eles eram grandes homens.
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O génio criador nunca se conformou com os critérios, as classificações, os decretos-lei e os despachos dos burocratas do espírito - na realidade, o génio criador reside precisamente em não se conformar com isso".
Estou sem palavras. Fui eu próprio que escrevi isto há 26 anos no Jornal de Notícias sob o título "A Economia Política da Cultura" (JN, 13 de Maio de 1992), e que está reeditado no meu livro Abcissas (Porto: Areal Editores, 1993, pp. 109-112). O mote foi a censura então feita a um livro de José Saramago, o qual viria a ganhar o Prémio Nobel da Literatura seis anos mais tarde.
Ao reler agora aquilo que então escrevi, a questão que me veio ao espírito foi a seguinte: O que é que o futuro tem reservado para mim?
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