As nuvens pingavam de modo intermitente nessa manhã de 2 de Novembro, e houve logo quem dissesse: "Boda molhada é boda abençoada". Às dez da manhã, sob o barulho das máquina e com as equipas de demolição ao trabalho, reunimo-nos junto ao local da obra. Tinham começado os trabalhos de construção da nova ala pediátrica do HSJ.
Estavam poucas pessoas, que eram sobretudo enfermeiras da ala pediátrica. Dias antes, a enfermeira-chefe da pediatria tinha-me parado num centro comercial para me dizer que desde que tinha entrado para o HSJ, há vinte cinco anos atrás, que se falava na construção da nova ala pediátrica. Finalmente, desta vez é que era.
O professor Serafim Guimarães, presidente da Liga dos Amigos do HSJ, esteve presente e entregou-me um cheque de cinco mil euros, a juntar aos vinte mil que já tinha entregue à Associação.
A comunicação social compareceu em peso. De todos os jornalistas que acompanhavam o Joãozinho, eu tinha particular apreço por três. Quando tratavam do Joãozinho, não era apenas trabalho profissional que faziam. Elas queriam genuinamente aquela obra.
Naturalmente, eram todas mulheres com filhos. A Hermana Cruz do JN acompanhava o Joãozinho desde que ele nasceu em 2009 no HSJ pela mão do professor António Ferreira. Era quem mais sabia acerca do Joãozinho e que frequentemente me falou sobre a sua história no período anterior à minha entrada no projecto.
A Fátima Ribeiro de Almeida no Porto Canal cobria todos os acontecimento relativos ao Joãozinho e aceitou sempre o Joãozinho como tema dos meus comentários semanais na estação, o que eu fazia com alguma frequência.
No dia seguinte ao início da obra, o Joãozinho foi naturalmente o tema do meu comentário no Porto Canal. Comecei o comentário a falar de Deus. É que, por essa altura, Deus há meses que dava indícios de que iria cumprir a sua parte no pacto que eu tinha estabelecido com Ele. Eu é que ainda estava longe de cumprir a minha.
Finalmente, a Joana Pulido da Lusa era também uma amiga genuína do Joãozinho e estava sempre presente para reportar sobre assuntos que lhe dissessem respeito. Quando eu elaborar a lista final dos mecenas do Joãozinho, estas três jornalistas estarão lá de certeza.
Numa pequena mesa improvisada cá fora assinámos o contrato de empreitada, o protocolo tripartido e fizemos o primeiro pagamento à construtora. Pelo HSJ estiveram presentes os administradores António Ferreira, João Oliveira e Amaro Ferreira, pelo consórcio Lucios-Somague os Engs. Filipe Azevedo e Paulo Ramalho, e pela Associação os três membros da direcção, Pedro Arroja, Fátima Pereira e Susana Almeida.
O pagamento à construtora foi feito em dois cheques, um no valor de 549 mil euros - correspondente ao montante que a Associação tinha recebido do HSJ -, e outro pelo restante. Pedimos também dois recibos, que nos foram remetidos dias depois, e uma cópia do primeiro imediatamente enviada para o HSJ.
Foi uma cerimónia breve para a fotografia, e rapidamente dispersámos. O professor António Ferreira pediu-me para ir com ele e subimos ao segundo andar de um edifício que ia ser demolido. Estava lá instalada a unidade de cuidados intensivos neonatais.
Fiquei para morrer. Era uma sala escura com um vidro exterior. Conseguia ver a cor branca dos berços lá dentro. Num cubículo cá fora, com espaço apenas para ela, entre quatro velhas paredes, estava sentada a médica de serviço, permanentemente a zelar por aquelas crianças. As catacumbas, pensei. Quando o professor António Ferreira lhe disse que o serviço ia sair dali, ela olhou para nós como se tivesse visto Deus.
Depois, o professor António Ferreira acompanhou-me ao carro, que estava distante no parque de estacionamento. Pelo caminho, disse-lhe que estava muito feliz pelo início da obra e que consideraria a minha missão terminada à frente da Associação Joãozinho logo que a obra estivesse concluída, dentro de dois a três anos. Acrescentei que, na minha opinião, quando abandonasse a presidência do Hospital, ele seria o meu sucessor natural à frente da Associação.
Despedimo-nos. Foi a última vez que vi o professor António Ferreira.
No dia seguinte fiquei sem jeito ao ler as declarações que ele prestou à Hermana Cruz do JN, parcialmente reproduzidas no site do Hospital. Que o fundamental tinha sido o Hospital assegurar-se que, em caso de interrupção, ficaria com a obra. E que o Hospital de S. João, refazendo o seu plano de investimentos, tinha dinheiro para fazer a obra.
Como é que eu iria agora de volta aos mecenas pedir-lhes dinheiro para pagar a obra se o presidente do Hospital declarava em público que tinha dinheiro para a fazer?
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