As três pessoas que tinham estado naquela conversa queriam fazer a obra do Joãozinho, disso não havia dúvidas nenhumas. Na realidade, o problema agora era de fartura. Se durante anos não havia quem a fizesse, agora havia dois candidatos a fazê-la - a Associação Joãozinho e o Governo.
Saímos daquela reunião com a promessa de dar uma resposta ao Dr. Oliveira e Silva sobre aquilo que nos pedia. Eu tinha de falar com os outros membros da direcção e aconselhar-me com alguns mecenas mais chegados à Associação acerca do que fazer. O Eng. Filipe Azevedo disse-me que iria informar a Somague mas que, em princípio, o que eu decidisse estaria bem para ele. O importante era que a obra fosse feita.
Por isso, da segunda vez que me encontrei com o Dr. Oliveira e Silva - estávamos já no início de Março - fui sozinho. Eu permanecia céptico acerca da notícia da Margarida Gomes. Ele estava mais crente do que nunca, e até me informou que estava iminente a publicação de um Despacho do Secretário de Estado da Saúde a confirmar a disponibilidade do financiamento público para a construção da ala pediátrica do HSJ.
Eu estava agora ali para lhe transmitir a posição da Associação acerca do pedido que ele me tinha feito. Comecei por lhe dizer que se o Governo tinha dinheiro para fazer a obra, então que a fizéssemos em conjunto - o Governo e a Associação Joãozinho -, e preparava-me para elaborar sobre as modalidades possíveis desta cooperação quando o Dr. Oliveira e Silva abanou prontamente a cabeça e nem me deixou prosseguir.
Este abanar de cabeça foi uma imagem que me ficou no espírito, e um momento definidor, para eu próprio mais tarde responder à questão: "O Dr. Oliveira e Silva estava ali a decidir com autonomia ou, pelo contrário, a executar decisões da hierarquia, isto é, do Ministério da Saúde?".
A solução que ele pretendia que fosse seguida - a retirada sem condições da Associação do terreno da obra - punha problemas muito difíceis de resolver porque, na prática, significava o seguinte, em português escorreito:
Primeiro, rasgar o protocolo tripartido assinado entre o HSJ, a Associação Joãozinho e o consórcio Lucios-Somague.
Segundo, rasgar o contrato de empreitada celebrado entre a Associação e o consórcio construtor.
Terceiro, rasgar os acordos de mecenato celebrados entre a Associação e vários dos seus mecenas.
Quarto, a Associação renunciar à sua missão estatutária, que era a de fazer a ala pediátrica do HSJ.
Na verdade, perante os mecenas que entregaram dinheiro à Associação para fazer a obra, como é que eu iria responder?
Talvez assim:
-Olhem... atirei para lá um milhão de euros... fiz uns trabalhos de demolição ... e depois virei costas ...abandonei tudo ...e vim-me embora...
Eu penso que haveria aqui lugar para que os mecenas me movessem processos judiciais e me exigissem até a restituição do dinheiro que me tinham entregue para uma finalidade que eu não cumpri e simplesmente abandonei.
(À saída, pensando com os meus botões, até imaginei que o primeiro poderia ser o próprio HSJ - não pela mão do Dr. Oliveira e Silva, mas por outra qualquer. Não me era difícil sequer imaginar a sociedade de advogados que se ofereceria prontamente para fazer o trabalho de graça.)
Não me era fácil atender a pretensão do Dr. Oliveira e Silva. Além disso, estávamos ali a especular porque eu não acreditava que o Governo tivesse o dinheiro.
Que não, que não, dizia o Dr. Oliveira e Silva pleno de boa-fé, estava para sair o Despacho do Secretário de Estado a garantir o financiamento público para a obra.
E foi na expectativa do Despacho que nos separámos naquele dia.
O Despacho do Secretário de Estado Manuel Delgado acabaria por sair dois dias depois. Dizia que a ala pediátrica do HSJ era uma entre cinco obras no país que iriam ser objecto de decisão política. Para isso, iria ser constituída uma Comissão que iria avaliar a viabilidade técnico-económica da obra e estudar as formas do seu financiamento.
Ao ler o Despacho, e ao relê-lo, senti pena pelo do Dr. Oliveira e Silva. Enviei-lhe um e-mail a dizer: "Como vê, não existe garantia nenhuma de financiamento público", que era uma forma eufemística de lhe dizer "Como vê, era tudo mentira".
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