10 setembro 2017

boa-fé

As três pessoas que tinham estado naquela conversa queriam fazer a obra do Joãozinho, disso não havia dúvidas nenhumas. Na realidade, o problema agora era de fartura. Se durante anos não havia quem a  fizesse, agora havia dois candidatos a fazê-la - a Associação Joãozinho e o Governo.

Saímos daquela reunião com a promessa de dar uma resposta ao Dr. Oliveira e Silva sobre aquilo que nos pedia. Eu tinha de falar com os outros membros da direcção e  aconselhar-me com alguns mecenas mais chegados à Associação acerca do que fazer. O Eng. Filipe Azevedo disse-me que iria informar a Somague mas que, em princípio, o que eu decidisse estaria bem para ele. O importante era que a obra fosse feita.

Por isso, da segunda vez que me encontrei com o Dr. Oliveira e Silva - estávamos já no início de Março - fui sozinho. Eu permanecia céptico acerca da notícia da Margarida Gomes. Ele estava mais crente do que nunca, e até me informou que estava iminente a publicação de um Despacho do Secretário de Estado da Saúde a confirmar a disponibilidade do financiamento público para a construção da ala pediátrica do HSJ.

Eu estava agora ali para lhe transmitir a posição da Associação acerca do pedido que ele me tinha feito. Comecei por lhe dizer que se o Governo tinha dinheiro para fazer a obra, então que a fizéssemos em conjunto - o Governo e a Associação Joãozinho -,  e preparava-me para elaborar sobre as modalidades possíveis desta cooperação quando o Dr. Oliveira e Silva abanou prontamente a cabeça e nem me deixou prosseguir.

Este abanar de cabeça foi uma imagem que me ficou no espírito, e um momento definidor, para eu próprio mais tarde responder à questão: "O Dr. Oliveira e Silva estava ali a decidir com autonomia ou, pelo contrário, a executar decisões da hierarquia, isto é, do Ministério da Saúde?".

A solução que ele pretendia que fosse seguida - a retirada sem condições da Associação do terreno da obra  - punha problemas muito difíceis de resolver porque, na prática, significava o seguinte, em português escorreito:

Primeiro, rasgar o protocolo tripartido assinado entre o HSJ, a Associação Joãozinho e o consórcio Lucios-Somague.

Segundo, rasgar o contrato de empreitada celebrado entre a Associação e o consórcio construtor.

Terceiro, rasgar os acordos de mecenato celebrados entre a Associação e vários dos seus  mecenas.

Quarto, a Associação renunciar à sua missão estatutária, que era a de fazer a ala pediátrica do HSJ. 

Na verdade, perante os mecenas que entregaram dinheiro à Associação para fazer a obra,  como é que eu iria responder?

Talvez assim:

-Olhem... atirei para lá um milhão de euros... fiz uns trabalhos de demolição ... e depois virei costas ...abandonei tudo ...e vim-me embora...

Eu penso que haveria aqui lugar para que os mecenas me movessem processos judiciais e me exigissem até a restituição do dinheiro que me tinham entregue para uma finalidade que eu não cumpri e simplesmente abandonei.

(À saída, pensando com os meus botões, até imaginei que o primeiro poderia ser o próprio HSJ - não pela mão do Dr. Oliveira e Silva, mas por outra qualquer. Não me era difícil sequer imaginar a sociedade de advogados que se ofereceria prontamente para fazer o trabalho de graça.)

Não me era fácil atender a pretensão do Dr. Oliveira e Silva. Além disso, estávamos ali a especular porque eu não acreditava que o Governo tivesse o dinheiro.

Que não, que não, dizia o Dr. Oliveira e Silva pleno de boa-fé, estava para sair o Despacho do Secretário de Estado a garantir o financiamento público para a obra.

E foi na expectativa do Despacho que nos separámos naquele dia.

O Despacho do Secretário de Estado Manuel Delgado acabaria por sair dois dias depois. Dizia que a ala pediátrica do HSJ era uma entre cinco obras no país que iriam ser objecto de decisão política. Para isso, iria ser constituída uma Comissão que iria avaliar a viabilidade técnico-económica da obra e estudar as formas do seu financiamento.

Ao ler o Despacho, e ao relê-lo, senti pena pelo do Dr. Oliveira e Silva. Enviei-lhe um e-mail a dizer: "Como vê, não existe garantia nenhuma de financiamento público", que era uma forma eufemística de lhe dizer "Como vê, era tudo mentira".

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