Enquanto eu e o Eng. Folhadela aguardávamos numa das salas de espera do Ministério da Saúde, que a secretária nos viesse buscar e conduzir ao gabinete do Secretário de Estado Manuel Delgado, apareceu o seu chefe-de-gabinete, Dr. Poole da Costa, a pedir muita desculpa, mas o Senhor Secretário de Estado tinha tido um compromisso oficial urgente, e não poderia estar presente. Ele próprio nos receberia.
A hipocrisia anda sempre associada à cobardia.
Ultimamente, eu gostava de ter o Eng. Folhadela comigo nas reuniões e ele disponibilizava-se sempre que podia. Permitia-me apontar ali, e em concreto, um dos grandes mecenas do Joãozinho, a RAR - 500 mil euros em dez anos, a primeira prestação já paga, a segunda suspensa até a obra recomeçar.
Eu não queria acreditar que um Estado virtualmente falido, sem dinheiro para mandar cantar um cego, a reduzir fortemente o investimento público, sobretudo na área da Saúde e, portanto sem meios para fazer o Joãozinho, pudesse deitar fora perólas como esta.
Tinha sido o Dr. Poole da Costa a informar o presidente do Hospital do despacho de indeferimento do Dossier Continente por parte Secretário de Estado. Mas quem o visse agora a folhear o dossier que o Ministério da Saúde possuía sobre o assunto, parecia que não tinha nada a ver com aquilo e que era a primeira vez que lhe tocava. A capacidade de dissimulação de certas pessoas parece-me, às vezes, impressionante.
Fui directo ao assunto, gostava de saber o teor do Parecer da Cuatrecasas feito pelo Dr. Vasco Moura Ramos. Procurou o documento no dossier que tinha nas mãos e começou a lê-lo rapidamente e em voz alta, enquanto eu olhava para o título à procura da palavra "Parecer" ou "Apreciação Preliminar" ou fosse lá o que fosse. Cheguei-me mais à frente na cadeira e deitei ostensivamente o olho enquanto ele ainda ia na primeira página. O documento tinha o título "Nota Jurídica".
Era um arrazoado de três páginas acerca de grandiosos princípios jurídicos como o da transparência, de tal maneira que, quando acabou de o ler, foi o próprio Dr. Poole da Costa a dizer que o documento era inconclusivo, não dizia nem que sim nem que não ao Dossier Continente.
Por outras palavras, o Parecer feito por um Professor de Direito Público da Universidade de Coimbra - segundo a notícia da Margarida Gomes no Público - , que inviabilizou o Dossier Continente, era, na realidade, uma mera Nota Jurídica - um papelucho feito em cima do joelho - por um reles assistente universitário que não ousa dar a cara por aquilo que faz e que nem os princípios deontológicos mais elementares da sua profissão sabe respeitar.
Voltei a falar do Projecto Joãozinho, de tudo aquilo que a Associação tinha conseguido, da obra que continuava parada, e certamente do Dossier Continente - uma alavanca tão grande do Projecto Joãozinho que no prazo máximo de três anos as crianças estariam internadas num moderno edifício totalmente pago, e não mais no barracão metálico onde estavam há quase dez anos (havia mesmo uma menina que, devido à sua doença, vivia permanentemente lá).
O Dr. Poole da Costa foi-se deixando seduzir de novo pelo Joãozinho - ou assim aparentava. Disse-nos então que ele próprio iria levar o assunto ao Ministro. Era muito amigo do Ministro, tinha sido colega dele na administração do Hospital de S. Maria, quando o Ministro foi lá presidente do conselho de administração.
À saída, eu e o Eng. Vergílio Folhadela vínhamos animados. Antes de nos despedirmos, perguntei ao Dr. Poole da Costa quando é que poderia esperar uma resposta dele:
-Até ao final da próxima semana.
Até hoje.
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