Faltavam pouco mais de quatro meses para o início da obra e eu tinha muitos assuntos a tratar, alguns absolutamente prioritários. Um deles, era obter a aceitação da obra por parte do Ministério da Saúde.
Desde aquela reunião com o Dr. Paulo Rangel e o Dr. Avides Moreira que eu tinha ficado com o sentimento que isto de dar coisas ao Estado - mesmo tratando-se de uma obra para crianças doentes no valor de vinte milhões de euros - não é coisa fácil, não é para qualquer um, e tem muito que se lhe diga.
O Estado português estava na altura falido - uma situação da qual ainda não recuperou totalmente -, e sob as imposições da troika. Mas a ideia com que fiquei, da conversa com os juristas da Cuatrecasas, foi a de que que o Estado português era uma espécie de fidalgo falido.
Ao Estado português, não é qualquer um que lhe dá e não é qualquer coisa que se lhe dá. É preciso que ele aceite, e imponha as suas condições. Na realidade, é preciso pedir-lhe que aceite - e tudo isso é objecto de um processo jurídico complexo.
Fiquei, por isso, um pouco surpreendido quando, no final de Novembro, me encontrei com o secretário de Estado Manuel Teixeira no Ministério da Saúde. Disse-me que tanto ele como o ministro tinham grande apreço pelo Projecto do Joãozinho que consideravam "uma iniciativa extraordinária e absolutamente invulgar".
Em Janeiro, o Dr. Manuel Teixeira publicou um despacho a louvar a iniciativa e a declarar não ver quaisquer impedimentos à aceitação da obra por parte do Estado.
Igualmente prioritário era requerer o estatuto de utilidade pública da Associação Joãozinho, que decorria da obtenção do estatuto de IPSS - Instituição Privada de Solidariedade Social.
Existiam duas razões prementes para isso. A primeira era a de que, com o início da obra, em breve eu iria começar a pedir dinheiro aos mecenas, e o estatuto de utilidade pública da Associação permitir-lhes-ia deduzir nos impostos as suas contribuições mecenáticas.
A segunda era a de que o estatuto de utilidade pública permitia à Associação obter o reembolso de metade do IVA. A obra custava cerca de vinte milhões de euros, mais IVA, o qual chegava quase aos cinco milhões. Dispondo do estatuto de utilidade pública, a Associação poupava quase dois milhões e meio de euros em IVA.
É claro que, sendo uma obra doada ao Estado, não fazia sentido que estivesse sujeita a qualquer montante de IVA. Mas a lei era assim e, para obter o reembolso da outra metade, eu teria de actuar junto dos deputados à Assembleia da República - o que viria a fazer mais tarde -, pedindo-lhes que fizessem uma pequena alteração à lei das IPSS's - a saber, que, quando a obra fosse doada ao Estado, o reembolso do IVA fosse total.
O processo deu entrada no Ministério do Trabalho e da Segurança Social em Novembro, devidamente instruído com o historial do Projecto Joãozinho, os mecenas actuais e potenciais, a sua comissão de honra, os documentos do concurso para a obra - nessa altura, a Teixeira Duarte já era a vencedora conhecida - e outra documentação, à qual se juntou mais tarde o despacho do secretário de estado da Saúde.
Em Janeiro fui chamado a Lisboa pelo director do serviço, Dr. Rui Santos. Deu-me os parabéns. Passavam-lhe pela mão todos os pedidos de reconhecimento de IPSS's, e nunca lhe tinha passado um com tão grandiosa missão e em tão avançado estado de realização. Pouco tempo depois, à Associação Joãozinho era reconhecido o estatuto de IPSS e, por implicação, o estatuto de utilidade pública.
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