Eu tinha agora - três semanas após ter tomado posse -, tudo aquilo de que precisava para angariar dinheiro para a obra - uma construtora. E o nome da Mota-Engil impressionava.
Também iria acompanhado de um exemplar do meu livro F. , um pequeno presente para as pessoas que me recebiam. E foi assim que pedi à minha secretária que, em escala industrial, me começasse a marcar as reuniões.
Defini dois alvos. Primeiro, as empresas farmacêuticas, de preferência as grandes multinacionais que tinham relações comerciais com o Hospital de S. João. Estavam todas em Lisboa, com excepção da Bial. Segundo, as grandes empresas do norte do país.
Iniciei então um frenético vaivém entre o Porto e Lisboa, que iria durar cerca de um ano, e que me fez regressar duas décadas ao tempo em que, vivendo no Porto, eu trabalhava sobretudo em Lisboa.
A primeira viagem foi a 18 de Fevereiro a uma multinacional francesa com escritórios no Lagoas Park, em Porto Salvo. Com o tempo, eu viria a conhecer todos os parques empresariais dos arredores de Lisboa, e acabaria mesmo por os caracterizar. São prisões-de-dia, totalmente impessoais, e refinadamente profissionais.
O director-geral ainda não tinha acabado a reunião anterior e foi a directora-financeira que me recebeu. A empresa era fornecedora do HSJ e mantinha uma boa relação com ele. Conhecia o Joãozinho. Contei os novos desenvolvimentos, falei da Mota Engil e das duas Manuelas e, claro, da incúria do Estado, que era sempre o bombo-da festa do meu discurso.
Semanas mais tarde, perante a directora-geral de uma multinacional americana e mãe de três filhos, quando eu ia nesta altura da argumentação, que ela até aí tinha escutado em silêncio, ela interrompeu-me para me dizer, consternada:
-Em Portugal ainda há coisas do Terceiro-Mundo...
Foi nesta altura do discurso também que entrou na sala, de rompante, o director-geral da multinacional francesa. Calei-me, cumprimentámo-nos, apresentei-me, e recomecei fazendo um breve resumo da conversa que tinha tido até aí com a sua colaboradora.
Ele sentou-se à minha frente, do outro lado da mesa, as mãos entrelaçadas e os olhos muito fixos em mim. Às tantas perguntou-me:
-É o Dr. Pedro Arroja?...
-Sou...,
e continuei a conversa. Vinte segundos depois, os olhos sempre fixos em mim, voltou à carga:
-Mas ... é mesmo o Dr. Pedro Arroja!?...
-Sou... sim... sou eu mesmo...
Foi nessa altura que me dei conta da figura que estava a fazer. Lembrei-me de S. Francisco e senti-me na figura do frade franciscano. Tinha de lhe dar uma explicação. Disse-lhe que era por causa de uma Clarissa. Eu já lhe tinha falado do "Milagre das Manuelas", mas desta vez não consegui omitir a terceira.
Em breve, a palavra passou no meio de que eu andava por ali. Meses depois, o director de uma multinacional britânica recebeu-me à porta com uma expressão de alívio:
-Seja bem-vindo a esta casa ... estava a ver que não nos vinha visitar...
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