Nessa tarde de Setembro cheguei cedo a Lisboa. Estacionei o carro num dos parques das Avenidas Novas e pus-me a passear por ali a fazer horas para a reunião. Iria ser recebido, às 14:30, pelo vice-presidente do Tribunal de Contas, juiz-conselheiro José Tavares, na sede da instituição, na Avenida da República, próximo do Saldanha.
Aquela zona da cidade era-me familiar, já tinha estado por ali três semanas antes, no Ministério da Saúde. Olhando para oeste na avenida, descortinava-se ao fundo o arvoredo do Campo Grande onde, lá mais para a direita, havia de estar escondida a um canto a pequena igreja onde eu fora baptizado. Mesmo ali próximo, o bairro de Alvalade onde eu nascera.
Olhando para o outro lado da avenida, o Saldanha e depois, descendo sobre a esquerda havia de estar o largo de D. Estefânia, e o café Vitória, onde eu pedira namoro à minha mulher havia mais de quarenta anos. Tínhamos estudado os dois por ali numa dependência do Instituto Comercial de Lisboa que funcionava nas antigas instalações da Escola António Arroio.
É interessante como a vida pode dar tantas voltas - pensava eu - e levar-nos de volta ao ponto de partida. Aqueles eram os lugares que eu tinha frequentado em criança e na adolescência. E agora estava de volta a eles por causa de crianças e de adolescentes.
Mas se me perguntassem por que é que eu estava ali naquele momento, eu não saberia responder - era um mistério que só desvendaria várias semanas mais tarde. Tinha sido eu a pedir a reunião no Tribunal de Contas, mas eu não tinha descoberto ainda quem é que tinha metido o Tribunal de Contas no Joãozinho, ou o Joãozinho no Tribunal de Contas.
A que propósito é que o presidente de uma associação mecenática, que ia doar uma obra ao Estado, que era uma instituição privada, e que não aceitava dinheiros do Estado, estava ali para prestar contas ao Tribunal de Contas, que tem por missão zelar pela boa utilização dos dinheiros do Estado?
Esta era uma ironia que, na altura, eu não conseguia ainda compreender.
Tudo começou em Junho. Depois da agitação produzida pelo meu comentário de finais de Maio no Porto Canal sobre o Dr. Paulo Rangel e a Cuatrecasas, rapidamente a Dra. Fátima Pereira e os serviços jurídicos do HSJ chegaram a acordo sobre a versão final do protocolo tripartido, a Cuatrecasas tendo sido afastada desta fase final do processo.
Estando o protocolo pronto a ser assinado, os camiões da Lucios e da Somague iriam em breve poder avançar sobre o Hospital de S. João e, finalmente, começar a obra.
Ou assim pensava eu.
Vivia dias de optimismo e esperança quando, um desses dias de manhã, a Dra. Fátima Pereira me entrou pelo gabinete dentro com cara de caso.
Tinha recebido um telefonema do Dr. João Oliveira a dizer-lhe que o Tribunal de Contas tinha pedido ao Hospital de S. João informações sobre o protocolo e a obra do Joãozinho, em resultado do alvoroço mediático provocado pela minha intervenção do Porto Canal. E, agora, enquanto, o Tribunal de Contas não se pronunciasse, a obra não poderia começar.
Fiquei para morrer. O Tribunal de Contas metido nisto!? Iria passar um ano até que o Tribunal de Contas se pronunciasse e eu não iria ter maneira de segurar as construtoras. Desde há dois meses que elas aguardavam o início da obra com as equipas de trabalho contratadas. Era o fim do Projecto Joãozinho, era o fim de tudo o que tinha feito - eu não iria conseguir aguentar um ano ou mais de espera.
Pela primeira vez senti que estava tudo acabado.
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