25 agosto 2017

de massa

Dezembro tinha chegado, e tinha sido um ano em cheio.  A construtora estava escolhida e eu trabalhava agora com o Eng. Gouveia Capelão no lançamento da obra, alternadamente no meu escritório no Porto e na sede da Teixeira Duarte no Lagoas Park, em Oeiras.

Durante o ano, tinha angariado várias dezenas de grandes mecenas e  descoberto várias avenidas alternativas contribuindo para pagar a obra. A receptividade dos bancos estava a ser excelente. O Ministério da Saúde aceitava a obra e encorajava-a. O reconhecimento da utilidade pública da Associação estava a caminho. Tinha mesmo encontrado a solução para o alegado excesso de capacidade da ala pediátrica do HSJ.

Havia apenas uma pequena questão que me começava a preocupar. No início de Dezembro, eu tinha-me comprometido com o Eng. Capelão a fazer um pagamento inicial de um milhão de euros até uma semana antes do início da obra, previsto para 3 de Março.

Neste primeiro ano, não tinha sido minha preocupação angariar dinheiro, já que não existia obra. Contava para esse pagamento com o dinheiro que o Professor António Ferreira me prometera em Janeiro, correspondente aos donativos recebidos pelo Hospital para o Joãozinho, enquanto o Projecto esteve sob a sua tutela. Estávamos em Dezembro e o dinheiro ainda não tinha chegado.

À parte este detalhe - que, na verdade, ainda não era uma grande preocupação - o ano de 2014 tinha sido coroado de êxitos em favor da obra do Joãozinho, e um ano que, do ponto de vista profissional - se assim se pode dizer - foi um dos melhores anos da minha vida.

Eu estava longe de adivinhar, enquanto fazia este balanço, que o melhor do ano de 2014 estava ainda para chegar.

Tudo começou no início do mês quando um amigo me convidou para assistir a uma conferência que teria lugar semana e meia  depois no Chiado, em Lisboa. Tratava-se de um almoço-conferência, o tema era a família e a conferencista era americana.

Portugal é um país cheio de coisas boas, mas as conferências não são seguramente o seu forte, e há muito que eu andava retirado desses circuitos. Mas como tinha agora sempre coisas a fazer em Lisboa relacionadas com o Joãozinho, aceitei, não sem resmungar comigo próprio: "Uma americana a falar da família...".

A cultura anglo-saxónica e calvinista tem certamente uma tradição familiar mais forte que a cultura germânica e luterana, mas muito inferior à da cultura latina ou católica dos países do sul da Europa: "Ainda se a conferencista fosse uma espanhola, uma italiana, uma francesa... ou mesmo uma portuguesa...".

Lá compareci no almoço. Seguiu-se a conferência. A conferencista ainda não falava há cinco minutos e o meu espírito já voava por outros céus,  e assim permaneceu até ao final da palestra. Já não me lembro em que pensava. Aquilo que sei é que, onde quer que o meu espírito andasse, às tantas o meu olhar ficou fixo no perfil de um senhor que escutava atentamente a conferencista duas mesas distante da minha.

Era o senhor Alexandre Soares dos Santos.

Devo ter permanecido assim por largos minutos até que dei um salto na cadeira

-Mecenas-de-massa!...,

e a palavra massa veio-me ao espírito com o duplo significado de muita gente e de muito dinheiro.

No final, ainda estive vai-não-vai para lhe ir falar, mas contive-me. Em breve, eu estava era desejoso de me ver livre dali, negociar o trânsito da saída de Lisboa, e deixar o meu espírito assentar no horizonte da auto-estrada em direcção ao Porto.

A primeira conclusão que tirei foi a de que fiz bem em não lhe falar:

-Se eu tenho uma solução no Porto, para quê andar abaixo-e-acima a caminho de Lisboa!?...

E foi auto-estrada acima que me lembrei da inauguração da Casa Ronald McDonald, que tinha tido lugar em Março no Hospital de S. João, e para a qual eu tinha sido convidado. Era uma Casa com oito ou doze quartos - já não estou bem recordado - destinada a receber familiares de crianças internadas no HSJ, que vinham de longe e não tinham dinheiro para pagar a estadia na cidade.

Tratava-se de um projecto mecenático, liderado pela Fundação Ronald McDonald - uma IPSS semelhante àquela que a Associação Joãozinho em breve iria ser -, mas envolvendo outros mecenas,  e era complementar do Joãozinho. A dimensão financeira é que era muito inferior - um investimento de apenas um milhão de euros.  O HSJ tinha cedido à Fundação McDonald pelo período de cinquenta anos o terreno para a construção da Casa.

Ao chegar ao Porto, telefonei ao Manuel Eanes, que é administrador da NOS, uma empresa do Grupo SONAE, com um pedido:

-Podes enviar-me por e-mail o nome e o número de telefone do presidente do Continente?

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