14 agosto 2017

familiares

Um dia, um administrador do HSJ, que tinha recebido dias antes um grupo de deputados de um certo partido político, disse-me assim: "Os deputados de todos os partidos vêm cá muitas vezes. Entram, sentam-se, fazem perguntas e depois vão lá para fora para os jornais e para a televisão criticar o Hospital e a administração do Hospital. Quando regressam a Lisboa, telefonam-nos a pedir empregos para os familiares".

É muito difícil ser administrador de uma grande Hospital como o S. João. Serve uma população de três milhões de pessoas em todo o  Norte do país, das quais um milhão de crianças e adolescentes - pessoas para quem, quando o assunto é grave, a solução é "Ambulância e Hospital de S. João do Porto". No Minho, em particular - onde só há poucos anos em Braga foi inaugurado um grande hospital - o Hospital de S. João do Porto possui uma reputação quase mítica.

Pelo recinto do Hospital passam por dia cerca de vinte mil pessoas, mais do que em muitas cidades do país,  e muitas delas em situação de emergência. O Hospital tem cinco mil e setecentos trabalhadores, envolvendo profissões altamente corporativas e sindicalizadas, como os médicos e os enfermeiros.  O Banco Espírito Santo (agora, Novo Banco) tem uma dependência instalada há muitos anos no Hospital. Houve tempos em que teve a reputação de ser a dependência bancária com maior movimento em todo o país.

Para além dos serviços de saúde propriamente ditos - envolvendo pessoal, equipamentos e medicamentos - o Hospital tem de cuidar, directa ou indirectamente,da gestão de muitos outros serviços, incluindo serviços de catering e serviços funerários, parques de estacionamento, etc. O Hospital tem cerca de três mil fornecedores, mais de mil permanentemente activos.

O Hospital gere um orçamento de 350 milhões de euros por ano. E quando um administrador toma uma má decisão, a lei responsabiliza-o pessoalmente, pondo em risco o seu património pessoal, que muitas vezes não vai além do seu próprio salário.

Para além de tudo isto, os administradores do Hospital têm de lidar com os partidos políticos, todos devidamente lá incrustrados. O Professor António Ferreira queixava-se frequentemente que cada vez que tomava uma decisão, no dia seguinte tinha o Bloco de Esquerda à perna. Era na altura em que o Bloco de Esquerda estava na oposição.

Eles estão nos vários sindicatos que agem dentro do Hospital, nas diferentes corporações, em muitos fornecedores, sobretudo de serviços, nas entidades de avaliação e de supervisão,  nas relações com o Ministério da Saúde e o Governo, eles estão na própria administração. Eles estão por todo o lado.

Nesse fim de Primavera, porém, entusiasmado com os progressos que estava a realizar, esse era para mim um mundo afastado, e que não me dizia respeito, um mundo que eu conhecia mal e  que não me interessava - e certamente um mundo de que eu não gostava.

Nessa altura, eu estava ainda longe de imaginar que, meses mais tarde, o primeiro grande obstáculo que  viria a encontrar para dar às crianças internadas no Hospital de S. João, a  pedido do seu presidente, uma nova ala pediátrica, paga inteiramente com dinheiro mecenático, seria ... o próprio Hospital de S. João.

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