Aos cinquenta e tal anos eu já tinha lido muitos livros. Na realidade, a minha vida profissional tinha sido sobretudo ocupada a ler livros, e a repeti-los perante audiências diversas, com um ou outro acrescento meu.
Mas nenhum daqueles livros dava respostas, nem de longe, às perguntas que eu agora me colocava. E as perguntas eram, desde há dois ou três anos, livremente colocadas por mim, ocorriam-me em catadupa ao espírito, umas atrás das outras. E não estava envolvido nenhum sargento.
Foi desde que o mal apareceu.
É altura de revelar uma pequena intimidade da minha vida familiar. Aconteceu-me em muitos períodos da vida dar aulas até tarde e chegar a casa às onze da noite, sem jantar.
A minha mulher estava sempre à minha espera, sentada na sala, a ler ou a ver televisão, de costas voltadas para a porta de entrada. Havia horas que os filhos estavam na cama e que ela própria tinha jantado.
Quando eu chegava, ela levantava-se para me dar o jantar, sentava-se ali à mesa ao meu lado, a fazer-me companhia e a conversar comigo.
A pergunta que, agora, me ocorria permanentemente ao espírito respeitava à espera. Era a espera que me angustiava. Eu ainda me sentia capaz de viver mais trinta anos.
Mas, se o mal triunfasse, iria ela ficar trinta anos à minha espera ... e eu sem aparecer?
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