Quando compareci perante o magistrado do Ministério Público e a Juiza de Instrução Criminal (que é uma extensão do Ministério Público) e me levantei para iniciar o meu depoimento, a juíza, distante quatro ou cinco metros, perguntou-me:
-O que é que tem à sua frente?
Expliquei que era uma folha A4 com os tópicos que tencionava tratar na minha intervenção e um pequeno dossier com documentos destinados a provar - caso fosse necessário - a verdade de algumas afirmações que iria proferir.
Sempre muito delicada, ela disse-me então:
-Preferia que falasse sem nada à frente...
Ao mesmo tempo que punha os papeis de lado, retorqui:
-Certamente ... essa é a minha especialidade ... falar de improviso...
Dias depois, reflectindo sobre o episódio, não pude deixar de concluir que estava perante mais um traço da cultura acusatória do Ministério Público.
Claro que eu sei falar de improviso e guardar na memória todos os tópicos - ou pelo menos, os principais - do assunto que tenho a tratar. É uma consequência de muitos anos de prática da minha profissão de professor.
Mas o português médio não é assim. Ele não está habituado a falar em público, muito menos de improviso. A maior parte das pessoas que passam pelo lugar onde eu me encontrava estão trémulas, muitas não têm a mínima educação formal. Ainda por cima, se estão inocentes, é natural que se socorram de um papel - uma mera nota - para não se esquecerem de nada do que têm para dizer e argumentar em sua defesa.
Pois nem isto é permitido quando se está diante do Ministério Público.
A mensagem do Ministério Público ao cidadão arguido resulta bem clara: "Faremos tudo para que não te possas defender".
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