A década de 1930 foi uma década de regimes autoritários na Europa. O Presidente da Polónia - também ela sob um regime autoritário - veio a Portugal e visitou a Madeira. Comentou assim sobre o país: "Abençoado país este Portugal que tem a sua Sibéria na Ilha da Madeira...".
Poucos anos depois passaram a ir para Cabo Verde, ilha de Santiago, e não somente exilados políticos, mas também presos políticos - quase todos por "delitos de opinião" -, estes últimos a escassas centenas de metros da belíssima praia do Tarrafal.
Pela mesma altura, havia presos políticos em quase todos os países da Europa, e também na Sibéria, aqui em alternativa a hospitais psiquiátricos - quase todos por "delitos de opinião".
Do campo prisional do Tarrafal pode sentir-se a imensidão do mar, esse símbolo cultural que significa para os portugueses a abertura para o mundo, a vontade de "sair daqui", o sentimento exclusivamente português da saudade, o horizonte inteiramente livre de quaisquer obstáculos e impedimentos. No Tarrafal, pelo menos, era possível sonhar.
Em comparação - porque foi em termos de comparação que o Presidente polaco falou - ainda se podia dizer "Abençoado país...". Na Sibéria, sob 40 graus negativos e a aridez do horizonte, em que metade do ano é noite todo o dia (e na outra dia toda a noite), é mais difícil sonhar. E num hospital psiquiátrico é mesmo impossível sonhar.
Estes homens e mulheres - seguramente, a esmagadora maioria deles - estavam nestas condições por terem cometido "delitos de opinião".
A seguir ao assassinato político, o "delito de opinião" é, e continuará a ser, o instrumento por excelência da perseguição política. Antes de se laicizar, era o instrumento por excelência da perseguição religiosa.
Curiosamente - mas pode ser apenas coincidência - é de "delitos de opinião" que eu sou agora acusado pelo Estado português. As opiniões delituosas são "politiqueiro", "jurista de vão-de-escada" e "palhaçada jurídica".
Os visados são um político, uma sociedade de advogados ligada a um partido político - partido que na altura exercia o poder político do Estado - e ainda advogados que são agentes institucionais da organização política do Estado.
Para onde é que me vai mandar preso o juiz que dentro de meses me julgar?
Talvez para S. Martinho do Porto, que é onde costumo passar férias.
Abençoado país.
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