29 julho 2017

a espada

Quem procurar compreender esta declaração de Cristo,

"Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada",

a partir de fora - em termos abstractos e generalizados - sem se meter dentro do espírito do autor e das circunstâncias em que ele a proferiu, vai ter muita dificuldade em encontrar-lhe um sentido coerente com a  mensagem central do cristianismo:

-Então ele não veio trazer a paz ... veio trazer a espada!?...

E as dificuldades aumentam quando ele logo a seguir acrescenta:

"Porque vim separar o filho do pai, a filha da sua mãe e a nora da sogra, de tal modo que os inimigos do homem serão os seus familiares".

A principal distinção que Cristo encontrou na terra entre os homens foi a divisão entre judeus (a casa de Israel, os eleitos de Deus, a casta) e gentios (genericamente, o povo). e a mensagem central da sua pregação tem como objectivo, em primeiro lugar, acabar com esta divisão.

São exclusivamente os judeus que ele tem no espírito - e não os gentios ou a humanidade em geral - quando pronuncia aquela declaração. Fá-lo numa altura em que está a dar instruções aos apóstolos para irem pregar a sua Palavra - mas para o irem fazer, em primeiro lugar,  aos judeus.

Ora, aos judeus, de facto, ele não vinha trazer a paz, vinha trazer a espada. Ele vinha dizer aos judeus que não há castas, que todos os homens são iguais aos olhos de Deus, que Deus não aceita a distinção entre judeus (a casta) e gentios (o povo). Era uma ofensa à casta.

Mas não apenas isso. Ele vinha também dividir os judeus, não em seitas - porque em seitas eles já estavam divididos -, mas muito pior do que isso. Vinha dividi-los no seio daquela instituição onde as divisões são mais ferozes - a família. Ele vinha dividir também as famílias judaicas. Só assim - por só ter os judeus no espírito - , é que se pode compreender a segunda parte da declaração relativa à família, e só no âmbito de famílias judaicas ela faz sentido.

O atributo judaico passa-se exclusivamente através da mãe. É judeu aquele que é filho de mãe judaica, independentemente da condição do pai. Em muitas famílias judaicas, então, o pai é gentio e a mãe é judia. Mais cedo ou mais tarde pode imaginar-se a soberba do filho (judeu) em relação ao pai (gentio), ou da sogra (judia) em relação a uma nora (gentia). Pode mesmo imaginar-se a filha (judia), contra a mãe (judia), em defesa do pai (gentio) - uma filha que não aceita que menosprezem o pai por ele ser gentio.

Nada disto é fácil de imaginar em famílias de gentios.

A ofensa de Cristo aos judeus era, portanto,  dupla. Não só ofendia a casta, como também a dividia, e dividia-a naquele último reduto onde as divisões têm efeitos quase sempre catastróficos sobre a vida das pessoas - a família.

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