28 junho 2017

uma cultura pública

O Joaquim regressou em forma com este artigo, acerca do qual gostaria de fazer algumas observações.

A cultura moderna (ou protestante) é uma cultura predominantemente pública, por oposição à cultura tradicional (católica) que é uma cultura predominantemente privada. Lutero deu o pontapé de saída. Em lugar de discutir com os seus pares e os seus superiores, privadamente e no seio da Igreja, as críticas  que lhe dirigia - em muitas das quais tinha razão - resolveu postá-las na porta de Igreja, expondo-as em público e abrindo-as à discussão pública.

Em breve, ninguém se entendia acerca da verdade, da ausência dela, ou do grau de verdade presente nessas críticas. Formaram-se correntes de opinião ou partidos, que viriam a dar lugar às seitas luteranas, dividindo o luteranismo de uma maneira muito mais feroz do que Lutero tinha dividido a Igreja Católica.

É neste ambiente em que ninguém se entende acerca do que é a verdade, que Kant - um luterano convicto - vem declarar que não se pode chegar à verdade (Nota do autor: Não se pode chegar à verdade? Pode, pode. Pode-se chegar pelo menos a essa - a de que não se pode chegar à verdade).

A verdade é então substituída pela opinião, que qualquer um pode ter, porque não exige a vivência das situações,  conhecimento, estudo ou qualquer reflexão. E a opinião passa a ser um direito individual. "Pigs do fly", é a minha opinião e eu tenho direito a ela.

Quanto ao autocrata de que fala o Joaquim, o homem que na comunidade  deveria arbitrar a discussão pública sobre qualquer assunto, ou até remetê-la para a esfera privada quando ela aí pertence, o homem com autoridade para dizer "Cala-te!" a qualquer dos participantes no debate, essa figura já existe, está aí à frente de todos, e só não a vê e não a imita quem não quer.

É a figura do Papa da Igreja Católica.

O Papa Bento XVI (já antes como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, sob João Paulo II) fez isso várias vezes, por exemplo, aos teólogos da libertação: "Calem-se!". E eles calaram-se.

Como é que a Igreja iria explicar ao mundo que, tendo Cristo andado a pregar o amor entre os homens, viessem agora uns teólogos sob a sua jurisdição pregar a luta (de classes) entre eles?

Embora o Papa só tenha ganho impopularidade com isso, o certo é que os teólogos da libertação não conseguiram pôr os padres e as pessoas umas contra as outras, dividindo a Igreja.

O bem prevaleceu.

3 comentários:

marina disse...

interessante. como se passou do recato a pegar num altifalante e dizer a todo o mundo o que passa na vida das pessoas nas " redes sociais " foi um processo que nunca percebi. . essa distinção entre cultura pública e privada faz até sentido.

Euro2cent disse...

> resolveu postá-las na porta

Hoje em dia temos isso com as bebidas e detergentes.

Uma cultura de vendilhões que permeia tudo.

Ricciardi disse...

Antes de Lutero, Jesus fez coisa semelhante com as estruturas judaicas da época.
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Os fariseus disseram-Lhe para Ele se calar, mas Ele não se calou. E bem.
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Não colocou um post na entrada da Igreja, mas disse que não restaria pedra sobre pedra daquele templo. Incitou o povo a seguir outras direções e acusou as estruturas judaicas de fariseismo.
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Lutero fez coisa semelhante. Volvidos 1500 anos depois de Cristo também Lutero percebeu nas estruturas da Igreja um fariseismo muito semelhante em intensidade aquele que Cristo detectou.
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Rb