28 junho 2017

POLITIZAÇÃO DA VIDA QUOTIDIANA

POLITIZAÇÃO DA VIDA QUOTIDIANA


A democracia liberal politiza os cidadãos quando os chama a escolher entre líderes políticos, partidos políticos, e programas partidários.

Esta politização, que não tem a mesma dimensão nos regimes autocráticos, tem, sem dúvida, vertentes muito positivas. Quando invade, porém, todos os aspetos da vida quotidiana, torna-se perniciosa. Cria crispação e até ódio entre diferentes grupos sociais e simples cidadãos, que passam a ser olhados como inimigos; alguém que constitui uma ameaça existencial ao nosso modo de vida e que, em última instância, poderá ser necessário eliminar.

Basta refletir sobre o Brexit, no RU, a eleição de Donald Trump, nos EUA, os diferentes populismos que grassam na Europa, e até na retórica inflamada que, entre nós, procurou denegrir o governo de Pedro Passos Coelho, para perceber que as emoções têm falado mais alto do que a razão e que há uma polarização que era inédita na vida política, pelos menos até há bem pouco tempo.

Alguns analistas têm apontado as redes sociais como responsáveis por esta crispação política, na medida em que permitem a qualquer um destilar vitríolo sobre pessoas que não conhecem e assuntos que nunca estudaram. E realmente assim é, mas todo este fel, não me parece ser a causa, mas sim a consequência da politização da vida quotidiana.

O mesmo fenómeno, aliás, permeou a maior parte dos chamados MSM (main stream media) que albergam, atualmente, “assassinos de carácter” profissionais, devotados a difamar os adversários políticos, que tratam, na realidade, como inimigos. Dedicam-se, por exemplo, a fabricar notícias baseadas em alegadas denúncias anónimas, as chamadas Fake News, com o propósito claro de influenciar a opinião pública a favor das sua causas.

A exibição de uma “cabeça decapitada” do presidente Donald Trump, por uma colaboradora da CNN, é talvez o ponto mais baixo a que se pode chegar. Influenciando depois todos os que veem estas imagens quando estas se tornam virais na internet. O atentado perpetrado no estado da Virgínia, a 14/06/2017, contra o Partido Republicano, parece fruto deste clima político.

Carl Schmitt, em 1932, já tinha alertado para o perigo da “politização total” da sociedade, como uma espécie de estadio final das democracias liberais, e proposto uma salvaguarda autoritária, na figura de um presidente que pudesse decidir pelo coletivo quando este estivesse, por assim dizer, democraticamente bloqueado por visões irreconciliáveis.

Não tendo simpatia por soluções autocráticas, não deixo, porém, de admirar a quase profética análise de Carl Schmitt, proferida ainda antes da segunda guerra mundial. Em Portugal, António Salazar foi essa figura autocrática, chamada a apaziguar um País já então dilacerado por um excesso de politização, embora de natureza radicalmente diferente da atual.

Estejam ou não previstas entidades autocráticas tutelares para resolver graves crises políticas, a verdade é que elas aparecem quando é necessário, para repor a segurança e a ordem.

Alertar para os aspetos perniciosos da politização da vida quotidiana, é, portanto, fazer a profilaxia de soluções de último recurso que acarretam sempre um custo elevado e um desfecho incerto.

A vida quotidiana está politizada porque o Estado invadiu todas as esferas da nossa atividade. O Estado está presente na fecundação, na gravidez, no parto, nos primeiros anos de vida, na escola pré-primária e primária, no liceu e nas universidades, na regulamentação da atividade profissional, nas empresas, nas relações laborais, na saúde e na doença, nos relacionamentos pessoais, e até na morte.

Em tudo o que se envolve, o Estado favorece os “amigos” e prejudica os “inimigos”, alimentando grupos que se digladiam e que passam a constituir uma ameaça mútua. Os velhos reclamam políticas que prejudicam os jovens, os empregados exigem medidas que prejudicam os desempregados, as empresas procuram rendas à custa dos contribuintes, a banca quer garantias dos cofres do Estado, enfim... todos procuram benesses num jogo de soma zero que só pode alimentar ódios.

O outro deixa de ser o irmão com quem podemos colaborar para o Bem Comum para passar a ser uma ameaça existencial. A confiança, esse elemento fundamental do desenvolvimento, é corrompida pela politização da vida quotidiana. Paradoxalmente, a falta de confiança clama por mais intervenção estatal e regulamentação que, em última análise vai destruir ainda mais a confiança restante; é um ciclo perverso e fatal para a sociedade.

É fácil percebermos quando a politização democrática ultrapassa os limites do razoável, basta perguntarmo-nos se numa situação concreta, em análise, perspetivamos os nossos concidadãos em termos de amigo/inimigo.

Os conflitos entre os encarregados de educação e os professores são frequentes e muitas vezes envolvem violência, a relação médico-doente deteriorou-se ao ponto de ser necessária a presença da polícia em muitas circunstâncias. E até os próprios agentes da autoridade se sentem inseguros no exercício das suas funções.

O cidadão que começou a trabalhar para a Uber é inimigo dos taxistas, o inquilino é inimigo do proprietário, e o trabalhador, claro está, é inimigo do patrão.

Questões do foro íntimo, como o aborto, são administradas pelo Estado que disponibiliza interrupções voluntárias da gravidez a partir dos 16 anos de idade, sem autorização nem conhecimento dos pais. Não será de antecipar um desagrado veemente, por parte dos respetivos encarregados de educação, num caso destes?

Por fim, uma referência à liberdade de expressão e à chamada ditadura do politicamente correto. Qualquer um pode ser apelidado de racista, xenófobo, misógino, sexista, ou homófobo, e atacado verbal e fisicamente pelo estigma destas acusações. A sociedade pulverizou-se em grupos que se digladiam porque se consideram inimigos. Porquê?

Porque se politizou a vida quotidiana!

Será possível reverter esta situação?

Penso que sim, se percebermos o ponto de rutura a que se chegou e a ameaça que essa rutura implica para a democracia liberal. Politizar tudo não enobrece a política, pelo contrário. Cria ruído, uma cacofonia que irrita e desorienta.

Recuperar o espaço de privacidade pessoal, familiar, e social, é, quanto a mim o caminho a seguir e a via para deixarmos de olhar para os outros na perspetiva política de amigo/inimigo e passar a vê-los com irmãos.


Todos “iguais aos olhos de Deus”, com um direito inalienável à busca da felicidade, sem que essa felicidade seja conquistada à custa da infelicidade alheia. A vida não tem de ser um jogo de soma zero.

2 comentários:

Pedro Sá disse...

Análise profundamente errada derivada de uma visão extremamente politizada das coisas.

Aquilo que critica é apenas e só vermos na política o que acontece em todos os lados. O fenómeno é, pois, de sentido exactamente oposto.

Cfe disse...

Bom texto