No dia seguinte, já no Porto, a primeira coisa que fiz foi falar ao Eng. Luís Moutinho, CEO do Continente. Eu não o conhecia pessoalmente, só de nome, mas, através de um amigo comum, rapidamente arranjei o seu número de telefone.
No Porto, toda a gente se conhece, nem que seja só de nome. E toda a gente tem um amigo comum. Esta é uma das grandes diferenças em relação a Lisboa. É esta diferença que torna um projecto mecenático com a dimensão do Joãozinho possível no Porto, mas que seria extremamente difícil, senão mesmo impossível, de realizar em Lisboa.
Comecei por lhe agradecer as contribuições que o Continente tinha vindo a dar desde o início ao Projecto Joãozinho, designadamente através da Missão Sorriso - a última, de 15 mil euros. O Projecto tinha sido fundado em 2009 pelo Professor António Ferreira no Hospital de S. João. Em Janeiro de 2014 foi autonomizado na Associação Joãozinho, de que eu sou o Presidente, e assumi a sua liderança. Foi assim que me apresentei. Ele mostrou-se a par da alteração.
Para além de lhe agradecer todas as contribuições passadas, aquilo que agora lhe vinha pedir tinha outra dimensão. Que o Continente se tornasse o mecenas-de-massa do Joãozinho, e expliquei-lhe o que significava com isso. Por exemplo, durante um ano ou dois organizar uma campanha tipo "arredonda" com as receitas a reverterem para O Joãozinho.
Do lado de lá, ele sorriu. Que não podia ser, que o Continente tinha muitas solicitações, que já contribuía para muitas obras de solidariedade social no país que eram igualmente meritórias, e que não se podia concentrar exclusivamente no Joãozinho.
Mas eu não desisti. Puxei de todo o arsenal de argumentação que já tinha provado eficaz em outras aproximações a mecenas, e mantive a conversa viva. Pelo caminho, perguntei-lhe se era pai e ele respondeu-me que sim (três filhos, suponho, todos em idade pediátrica).
Logo a seguir lembro-me de ter utilizado o mais poderoso de todos os meus argumentos. Pedia-lhe que fizesse alguma coisa mais pela construção da ala pediátrica do S. João, à frente de uma instituição tão importante como estava. "Se algum dia um filho seu, ou um neto meu, tiver a infelicidade de ser internado naquele miserável barracão, nós vamo-nos arrepender de não ter feito nada. Quando poderíamos ter feito".
E despedi-me dele com uma pergunta de última instância. Será que o Continente aceitaria, ao menos, instalar-se no recinto do HSJ e contribuir com uma parte das vendas para a obra do Joãozinho?
Do outro lado ouvi o silêncio, e depois a reacção:
-Não sei ... francamente não sei ...teria de pensar sobre isso...
Quando desliguei o telefone, fiquei a reflectir sobre o resultado. Não tinha sido mau. Não me tinha dito que sim, mas também não me tinha dito que não. Um certo optimismo foi mesmo crescendo em mim.
Optimismo que se foi convertendo em entusiasmo quando no dia seguinte cheguei à fala com o Professor António Ferreira. Relatei-lhe a conversa e perguntei-lhe se o Hospital estaria disposto a ceder uma parcela de terreno para lá instalar um supermercado Continente.
A resposta foi pronta e afirmativa.
Sempre muito difícil de contactar dada a sua agenda muito ocupada, passados dias cheguei de novo à fala com o Eng. Luís Moutinho. Para lhe comunicar que o Presidente do Hospital aceitava ceder uma parcela de terreno para aí instalar um supermercado Continente. Será que nos podíamos reunir os três para discutir o assunto?
Quando, finalmente, nos encontrámos na manhã de 26 de Dezembro, a reunião não durou mais de meia-hora, porque o entendimento foi imediato. Num memorando que redigi nesse dia para informar os meus colegas da direcção, escrevi assim:
Data: 26 Dez 2014
Local: HSJ
Presentes: PA, Prof. António Ferreira (Presidente, HSJ), Eng. Luís Moutinho (CEO, Continente)
Foi acordado que o Continente instalaria uma loja no recinto do HSJ. Uma parte das vendas (a determinar) reverte a favor da Associação.
(...) ficou marcada uma reunião para o dia 5 de Janeiro entre os serviços técnicos do HSJ e os serviços técnicos do Continente, a ter lugar no HSJ, para tratar de questões técnicas (localização, superfície do supermercado, etc.)
(...)
Avaliação global: Excelente
Ao longo do ano de 2015 foram feitas várias reuniões entre a administração do HSJ, a direcção da Associação Joãozinho e a administração do Continente para tratar dos vários aspectos relativos a este Dossier (técnicos, jurídicos, financeiros, etc.).
Em Novembro, a administração do Professor António Ferreira saiu e demorou quase seis meses até que a nova administração, liderada pelo Dr. António de Oliveira e Silva, assentasse no lugar. A última reunião teve lugar em Julho deste ano e o Dossier Mecenas-Continente seguiu para o Ministério da Saúde, via Hospital de S. João.
Eu tinha encontrado finalmente o mecenas-de-massa que tanto desejava, na pessoa do Eng. Luís Moutinho e, mais geralmente, do Continente e do Grupo Sonae. Desde aquela manhã de Dezembro de 2014 em que pela primeira vez nos encontrámos, que eu não encontro palavras para lhe exprimir a minha gratidão.
3 comentários:
Pois.
Só falta acrescentar que esse António Ferreira que inventou tudo, já saltou fora há muito.
Estou a apreciar a história... Um administrador do hospital, funcionário público, a prometer ceder terreno do Estado a um privado? isto está cada vez mais interessante. Continue, senhor professor, continue. Se não for o senhor, espero que alguém continue, que eu quero ver isto bem explicadinho.
Pois foi. Quem andou a vender o que não era dele contando que o Estado pagasse tudo foi esse peru do administrador que saltou fora há muito.
Não sei a que título o PA insiste em carregar aos ombros as trafulhices desses administradores.
Tinham bruto financiamento anual e nunca aumentaram a ala infantil porque não quiseram. Construíram muitas outras. Esta era para deixar pirâmide para a posteridade e a ser paga por todos nós.
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