O Judaísmo é uma religião de leis, são seiscentas e dezasseis ao todo as leis, normas ou prescrições que o judeu obediente deve cumprir para agradar a Deus. Estas leis, conhecidas genericamente como Lei de Moisés, estão contidas nos cinco primeiros livros da Bíblia (a Tora ou, para os católicos, o Pentateuco).
Para os judeus, Deus revela-se através da Lei e está em primeiro lugar na Lei.
Para os protestantes também. Deus está na Lei - isto é, nas Escrituras -, embora para eles a Lei seja ampliada de modo a incluir toda a chamada Bíblia protestante (a qual amputa a Bíblia católica ou universal de vários dos seus livros).
(Aproveito aqui para dizer que a ideia do Estado de Direito, sob a qual vivemos actualmente em Portugal, envolvendo a supremacia da Lei sobre as Pessoas, é uma ideia de origem judaica que foi retomada pelo protestantismo. De resto, os judeus foram expulsos de Portugal e Espanha, os dois países católicos por excelência na altura da reforma protestante, porque se aliaram ao adversário - o protestantismo - contra a Igreja Católica).
Cristo veio substituir a primazia da Lei pela da Pessoa. Deus está em primeiro lugar nas pessoas e revela-se, em primeiro lugar, através das pessoas, e Cristo é o exemplo principal. Daí que, se para os judeus e cristãos protestantes, a fonte da revelação é apenas as Escrituras (o Pentateuco, no caso dos judeus; a Bíblia protestante no caso dos protestantes), para os católicos são duas as fontes da revelação - as Escrituras (Bíblia católica) e a Tradição, e o Catecismo atribui igual peso a ambas.
O protestantismo rejeitou a Tradição como fonte da revelação e representa, em certa medida, um regresso ao Judaísmo. E é na rejeição da Tradição que surge a modernidade e as ideias que ela trouxe consigo (a mais recente em Portugal é a da eutanásia, embora nem todas as ideias da modernidade sejam más ideias como esta). Filosoficamente é Descartes que dá o primeiro passo na modernidade.
É em torno da Tradição, da sua rejeição ou não, que se revela o choque de culturas entre os países do norte da Europa e da América do Norte (predominantemente protestantes e que contêm também as mais significativas comunidades judaicas fora de Israel) e os países do sul da Europa e da América Latina, que permaneceram católicos e continuaram a reverenciar a Tradição.
É sobre Tradição que escreverei os próximos artigos. A Tradição é o elemento feminino da revelação, por oposição à Lei (ou Escrituras) que é o elemento masculino. O judaísmo nunca a considerou, o protestantismo rejeitou-a, apenas o catolicismo a guardou.
O que é a Tradição?
Apenas um esclarecimento prévio antes de partir para a aventura. Eu próprio tenho utilizado as expressões "tradição judaica", "tradição protestante", etc. Portanto, judeus e protestantes também têm "tradição". Claro que têm. E em que é que essas tradições diferem da Tradição católica?
A tradição judaica e a tradição protestante são apenas duas tradições que existem na humanidade a par de muitas outras (shintoista, hindu, etc.). A Tradição católica é o chapéu que as abriga a todas - a essas e a todas as outras que existem, ou existiram, na humanidade (v.g., grega, romana, azteca, etc.), depois de devidamente destiladas pelo critério do bem-comum.
4 comentários:
Estou à espera...
Nada disso, Arroja. A Boa Nova cristã não tem nada que ver com a revelação de Deus na tradição. Pelo contrário, pois, como o próprio Arroja reconhece, o JC rejeitou a doutrina judaica tradicional e entrou em conflito com as suas leis morais e
com os seus sacerdotes. Não, o essencial da mensagem cristã (messiânica e escatológica) consiste no anúncio, na profecia, de que o fim do mundo está próximo e de que com este se realizará o Reino de Deus. Era isto que aguardavam, e era nisto que acreditavam, as primeiras comunidades cristãs, mas à medida que a Igreja foi ganhando poder e se tornou no poder o centro da doutrina cristã passou a ser o dogma da Trindade. Portanto, a mensagem cristã não consistia em qualquer defesa da tradição, mas sim numa ruptura com esta, até porque prometia o fim de um tempo e o início de outro, e por isso mesmo se designa como Boa Nova (ou Boa Novidade) e não Boa Antiga (ou Boa Tradição).
Por outro lado, dizer que para os protestantes Deus revela-se na Lei e que para os católicos revela-se em Cristo é também ver as coisas ao contrário. Então não foi o Lutero quem disse que a salvação se dá unicamente através da fé em Jesus, enquanto para os católicos (para a ICAR) as boas obras e acções, ou seja, o cumprimento das leis morais cristãs, também é determinante?
> continuaram a reverenciar a Tradição.
Isso parece-me coisa de idoso pouco esclarecido.
Essa tal de tradição tem seguidores no twatter ou no instachato?
A expulsão dos judeus da Península Ibérica é anterior à Reforma. E as razões são bem conhecidas: realpolitik.
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