Discrição
Por: Pedro Arroja
A Justiça é tradicionalmente representada por uma figura de
mulher - a escultura que encontramos geralmente à porta dos tribunais representa uma mulher de olhos vendados e
segurando uma balança nas mãos. É a Deusa Iustitia dos romanos, herdeira da
Deusa Diké dos gregos. E a razão é que os atributos principais da Justiça,
sendo atributos humanos que se encontram quer nos homens quer nas mulheres, são
mais intensos ou predominantes nas mulheres do que nos homens.
A Verdade é um deles. Quem queira saber a Verdade acerca de
certas questões essenciais da sua existência, o melhor que tem a fazer é
perguntar a uma mulher. Assim, por exemplo, a questão: “Quem é o meu pai?”.
Existe apenas uma pessoa no mundo que me pode responder a esta questão com
verdade absoluta – e essa pessoa é uma mulher. Visto de outro ângulo, os
grandes mentirosos, trapaceiros, vigaristas, aldrabões são normalmente homens,
não mulheres.
O segundo pilar da Justiça que hoje pretendo tratar é o da
Discrição. A verdadeira Justiça é discreta, desenrola-se e processa-se longe
dos olhos do público, e só na fase final se torna pública.
A Discrição é outro valor predominantemente feminino. São os
homens que são mais propensos a exprimirem-se de forma pública – na realidade,
a esmagadora maioria das figuras públicas são homens. Pelo contrário, as
mulheres tendem a exprimir-se
predominantemente de forma privada ou discreta, através de conversas e gestos privados,
e não de discursos e manifestações públicas.
O oposto da Discrição, na realidade o extremo oposto, é o
escândalo, precisamente aquilo que o nosso sistema de Justiça vem produzindo
agora à taxa de um por semana – a semana passada com o caso dos vistos Gold,
agora com o caso José Sócrates.
São várias as razões que convergem para tornar a discrição
um pilar essencial da Justiça. A primeira é evitar o julgamento popular. O povo
não é bom a julgar, e existem vários julgamentos populares (ou democráticos)
famosos com resultados catastróficos. Um deles é o julgamento de Sócrates – não
o português, mas o grego. O outro é o da condenação de Cristo.
Num sistema de Justiça verdadeiro, o caso só se torna
público na fase final do julgamento, nunca nas fases de instrução e menos ainda
de investigação. Num tal sistema de Justiça, o réu que vai a tribunal pode ter
a certeza que vai ser condenado, porque as provas acumuladas contra ele são
irrefutáveis. A única incerteza consiste em saber se a pena é mais ou menos
pesada, consoante existam circunstâncias agravantes ou atenuantes.
Antes disso, não há provas. Existem indícios e os indícios podem ser indicadores da
verdade ou não. Trazer a público um caso
judicial baseado em indícios, é lançar o opróbrio sobre a pessoa visada do qual
ela nunca mais recuperará, mesmo quando mais tarde ela venha a ser considerada
inocente.
Acresce que a publicidade do caso vem normalmente só de um
lado – o da acusação – sem que o arguido se possa defender porque entretanto
foi sujeito a medidas de coacção, como a prisão preventiva. Se o julgamento
público, só por si, já seria mau, o julgamento público em que o público só ouve
de um lado, mas não do outro, é horrível e uma verdadeiro crime.
Daí a instituição do segredo de justiça – uma instituição
que visa proteger o valor da Discrição que é inerente à verdadeira Justiça. Daí
também que a violação do segredo de justiça seja um crime grave, dando lugar a
prisão.
Ora, o único crime provado no caso dos vistos Gold e, mais
ainda, no caso José Sócrates, é o crime de violação do segredo de Justiça,
cometido muito provavelmente pelos magistrados do Ministério Público. Este
crime, obviamente, nunca será julgado, porque os magistrados do Ministério
Público vivem acima da lei.
Quanto ao resto não existe para já Justiça. Existe o oposto
da Justiça. Existe escândalo e existe perseguição pessoal e política.
(in Vida Económica, Sexta-feira, 28 de Novembro de 2014)
(in Vida Económica, Sexta-feira, 28 de Novembro de 2014)
Sem comentários:
Enviar um comentário