A existência humana tem algum propósito?
Edward Wilson, o fundador da sociobiologia, é
taxativo nesta matéria: qualquer propósito da existência humana tem
de ser procurado no âmbito da biologia.
Ora se olharmos à volta para as outras
espécies com que partilhamos a Terra, o que vemos? Que todas procuram eternizar
a sua existência, crescendo e reproduzindo-se.
Crescer e reproduzir-se são os impulsos mais
básicos da existência viva, presentes desde sempre, desde as cianobactérias,
por exemplo, com mais de 4 MM de anos. Compreende-se, de resto. Se assim não
fosse não teria havido evolução.
Nos animais superiores este impulso está
organizado em instintos, como o instinto de sobrevivência e o instinto sexual. Embora
haja algum debate sobre este assunto, eu creio – com William James, por exemplo
– que o Homo Sapiens também tem estes instintos. Chamemos-lhes pulsões, pulsões
que despertam em nós emoções.
A razão humana é uma ferramenta importante,
mas não deve ser considerada mais do que isso. Damásio demonstrou que as
emoções são fundamentais à razão e que se dissociarmos a emoção da razão, esta
última torna-se inútil. Aliás, no próprio processo de decisão – Herbert Simmon –
é através dos sentimentos que determinamos o ponto a que este autor chamou “satisficing”.
Muitas utopias nasceram de aventuras da razão,
desancoradas da natureza humana. Os libertários são racionalistas mas não caem
em utopias porque não pretendem construir um homem novo.
Quando avaliamos a racionalidade ou
irracionalidade de um comportamento humano temos de ter sempre presente os
objectivos que pretendemos alcançar. Quando um estudante perguntou a Confúcio
que caminho devia tomar, este respondeu com uma pergunta: ‹‹Para onde pretendes
ir?›› Ao ouvir a resposta: ‹‹Não sei››, foi também rápido no conselho: ‹‹Se não
sabes para onde pretendes ir, qualquer caminho é bom››.
Eis o expoente da racionalidade: começar por
conhecer os nossos objectivos e prepararmo-nos para o caminho. Ora se crescer e
reproduzirmo-nos é o grande objectivo da existência humana, a procriação nunca
poderá ser uma irracionalidade.
Li com bastante interesse, este post do CGP,
que defende a tese de que ter filhos é uma má ideia que prevalece porque deixa
descendência. E que há maneiras melhores – mais racionais – de viver a vida.
O post é um exemplo acabado de que uma pessoa
inteligente pode defender, com bons argumentos, qualquer coisa e o seu
contrário. Palavras, palavras, palavras, que ficam a pairar no éter porque não
estão ancoradas na natureza humana.
Contudo, se pararmos para analisar o propósito
da existência humana. Verificamos que procriar é a via mais racional para o
realizar. Não é um caminho fácil, como ficou amplamente demonstrado no post do
CGP, mas difícil e irracional não são sinónimos.
Irracional, parece-me, é passar a vida a comer
“postas de bacalhau” e partir sem deixar rasto. É defraudar a própria condição
da existência que só é porque cresce e se reproduz.
Imagino uma conversa entre o CGP e Confúcio.
Mestre, devo procriar?
-
Qual é o teu grande objectivo?
-
O meu objectivo é conquistar a
eternidade.
-
Sim, então a maneira mais racional
de o conseguires é procriares. Os teus filhos são o teu bilhete para a
eternidade.
-
Mestre, e não terei de me
sacrificar para lá do que é racional?
-
Racional é realizares os teus
objectivos.
Eu não sou tão pedagógico, se me fizessem a
mesma pergunta eu responderia com ironia:
-
Claro que ter filhos é irracional.
Racional é, como referi acima, passar a vida a “comer postas de bacalhau”.
PS: Com um ABÇ para o CGP
11 comentários:
Um abraço, Joaquim. Eu acho que concordamos mais do que parece.
Um abraço, Joaquim. Eu acho que concordamos mais do que parece.
:-) OK
Joaquim
Penso que a fadista Amália não deixou descendência. Tendo partido já há alguns anos não podemos dizer que não se eternizou (para já). Mozart partiu há mais tempo e deixou numerosa descendência, contudo o que o eternizou (até hoje, pelo menos): a genética ou a música... podiamos ir por aí fora, com bons ou maus exemplos desde Platão a Churchill. Não é para refutar o Joaquim. Simplesmente para lembrar que a existencia humana não se esgota em postas de bacalhau:)
Tem toda a razão, mas por economia de espaço não fui por aí.
Deixar descendência está ao alcance de todos. Mozart só há 1
Joaquim
O Joaquim reduz o ser humano a uma cianobactéria, reduz a vida humana à vida de uma cianobactéria, que apenas procura reproduzir-se.
Eu diria que, no mínimo, essa é uma posição bastante pouco católica.
O Joaquim tem, é claro, os valores que entender. Mas eu creio que há muitos seres humanos que não partilham dos valores do Joaquim e que não consideram que o seu objetivo seja alcançar a eternidade.
No seu livro A guide to the perplexed, E.F. Schumacher, um homem religioso, dizia que uma das bases da religião é fazer uma distinção entre quatro categorias de seres: os seres inanimados (pedras), os vegetais, os animais, e os seres humanos.
Nessa ordem de ideias, procurar comparar um homem a uma cianobactéria e dizer que os seus objetivos "naturais" são, de alguma forma, os mesmos, é uma ideia profundamente antirreligiosa.
Caro Luis Lavoura,
É natural, eu não sou religioso.
Contudo, deixe-me dizer-lhe que há um propósito comum na vida. Precisamos de uma dose de humildade.
Daqui a 3 ou 4 milhares de milhões de anos é provável que as cianobactérias ainda por cá andem e a espécie humana já tenha desaparecido.
Humildade, por favor.
Joaquim
Depois, não concordo com a afirmação que refere.
Não me parece que a religião deva ir por aí. Para mim a religião serve para unir a comunidade "re-ligare". Não para penetrar no território da ciência.
Joaquim
Por fim,
Penso que o meu mapa do mundo é bastante diferente do seu.
Eu tenho orgulho em pensar que me integro no universo dos seres vivos. De uma cianobactéria ao Homo Sapiens é um trajecto fascinante.
Tenho orgulho em pensar de provimos dos primeiros ser vivos que eclodiram na Terra.
Como biólogo - médico - penso que é um percurso fascinante.
Joaquim
O trilobite orgulhoso.Dava uam boa série
":OP
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