30 abril 2014

ter filhos, a má ideia que prevalecerá (3)


A existência humana tem algum propósito?
Edward Wilson, o fundador da sociobiologia, é taxativo nesta matéria: qualquer propósito da existência humana tem de ser procurado no âmbito da biologia.
Ora se olharmos à volta para as outras espécies com que partilhamos a Terra, o que vemos? Que todas procuram eternizar a sua existência, crescendo e reproduzindo-se.
Crescer e reproduzir-se são os impulsos mais básicos da existência viva, presentes desde sempre, desde as cianobactérias, por exemplo, com mais de 4 MM de anos. Compreende-se, de resto. Se assim não fosse não teria havido evolução.
Nos animais superiores este impulso está organizado em instintos, como o instinto de sobrevivência e o instinto sexual. Embora haja algum debate sobre este assunto, eu creio – com William James, por exemplo – que o Homo Sapiens também tem estes instintos. Chamemos-lhes pulsões, pulsões que despertam em nós emoções.
A razão humana é uma ferramenta importante, mas não deve ser considerada mais do que isso. Damásio demonstrou que as emoções são fundamentais à razão e que se dissociarmos a emoção da razão, esta última torna-se inútil. Aliás, no próprio processo de decisão – Herbert Simmon – é através dos sentimentos que determinamos o ponto a que este autor chamou “satisficing”.
Muitas utopias nasceram de aventuras da razão, desancoradas da natureza humana. Os libertários são racionalistas mas não caem em utopias porque não pretendem construir um homem novo.
Quando avaliamos a racionalidade ou irracionalidade de um comportamento humano temos de ter sempre presente os objectivos que pretendemos alcançar. Quando um estudante perguntou a Confúcio que caminho devia tomar, este respondeu com uma pergunta: ‹‹Para onde pretendes ir?›› Ao ouvir a resposta: ‹‹Não sei››, foi também rápido no conselho: ‹‹Se não sabes para onde pretendes ir, qualquer caminho é bom››.
Eis o expoente da racionalidade: começar por conhecer os nossos objectivos e prepararmo-nos para o caminho. Ora se crescer e reproduzirmo-nos é o grande objectivo da existência humana, a procriação nunca poderá ser uma irracionalidade.
Li com bastante interesse, este post do CGP, que defende a tese de que ter filhos é uma má ideia que prevalece porque deixa descendência. E que há maneiras melhores – mais racionais – de viver a vida.
O post é um exemplo acabado de que uma pessoa inteligente pode defender, com bons argumentos, qualquer coisa e o seu contrário. Palavras, palavras, palavras, que ficam a pairar no éter porque não estão ancoradas na natureza humana.
Contudo, se pararmos para analisar o propósito da existência humana. Verificamos que procriar é a via mais racional para o realizar. Não é um caminho fácil, como ficou amplamente demonstrado no post do CGP, mas difícil e irracional não são sinónimos.
Irracional, parece-me, é passar a vida a comer “postas de bacalhau” e partir sem deixar rasto. É defraudar a própria condição da existência que só é porque cresce e se reproduz.
Imagino uma conversa entre o CGP e Confúcio. Mestre, devo procriar?
-       Qual é o teu grande objectivo?
-       O meu objectivo é conquistar a eternidade.
-       Sim, então a maneira mais racional de o conseguires é procriares. Os teus filhos são o teu bilhete para a eternidade.
-       Mestre, e não terei de me sacrificar para lá do que é racional?
-       Racional é realizares os teus objectivos.
Eu não sou tão pedagógico, se me fizessem a mesma pergunta eu responderia com ironia:
-       Claro que ter filhos é irracional. Racional é, como referi acima, passar a vida a “comer postas de bacalhau”.
PS: Com um ABÇ para o CGP

11 comentários:

Carlos Guimarães Pinto disse...

Um abraço, Joaquim. Eu acho que concordamos mais do que parece.

Carlos Guimarães Pinto disse...

Um abraço, Joaquim. Eu acho que concordamos mais do que parece.

Anónimo disse...

:-) OK

Joaquim

Anónimo disse...

Penso que a fadista Amália não deixou descendência. Tendo partido já há alguns anos não podemos dizer que não se eternizou (para já). Mozart partiu há mais tempo e deixou numerosa descendência, contudo o que o eternizou (até hoje, pelo menos): a genética ou a música... podiamos ir por aí fora, com bons ou maus exemplos desde Platão a Churchill. Não é para refutar o Joaquim. Simplesmente para lembrar que a existencia humana não se esgota em postas de bacalhau:)

Anónimo disse...

Tem toda a razão, mas por economia de espaço não fui por aí.
Deixar descendência está ao alcance de todos. Mozart só há 1

Joaquim

Luís Lavoura disse...

O Joaquim reduz o ser humano a uma cianobactéria, reduz a vida humana à vida de uma cianobactéria, que apenas procura reproduzir-se.
Eu diria que, no mínimo, essa é uma posição bastante pouco católica.
O Joaquim tem, é claro, os valores que entender. Mas eu creio que há muitos seres humanos que não partilham dos valores do Joaquim e que não consideram que o seu objetivo seja alcançar a eternidade.

Luís Lavoura disse...

No seu livro A guide to the perplexed, E.F. Schumacher, um homem religioso, dizia que uma das bases da religião é fazer uma distinção entre quatro categorias de seres: os seres inanimados (pedras), os vegetais, os animais, e os seres humanos.
Nessa ordem de ideias, procurar comparar um homem a uma cianobactéria e dizer que os seus objetivos "naturais" são, de alguma forma, os mesmos, é uma ideia profundamente antirreligiosa.

Anónimo disse...

Caro Luis Lavoura,

É natural, eu não sou religioso.

Contudo, deixe-me dizer-lhe que há um propósito comum na vida. Precisamos de uma dose de humildade.

Daqui a 3 ou 4 milhares de milhões de anos é provável que as cianobactérias ainda por cá andem e a espécie humana já tenha desaparecido.

Humildade, por favor.

Joaquim

Anónimo disse...

Depois, não concordo com a afirmação que refere.

Não me parece que a religião deva ir por aí. Para mim a religião serve para unir a comunidade "re-ligare". Não para penetrar no território da ciência.

Joaquim

Anónimo disse...

Por fim,

Penso que o meu mapa do mundo é bastante diferente do seu.

Eu tenho orgulho em pensar que me integro no universo dos seres vivos. De uma cianobactéria ao Homo Sapiens é um trajecto fascinante.

Tenho orgulho em pensar de provimos dos primeiros ser vivos que eclodiram na Terra.

Como biólogo - médico - penso que é um percurso fascinante.

Joaquim

zazie disse...

O trilobite orgulhoso.Dava uam boa série

":OP