"O milagre das probabilidades"
O Joaquim acha que, e passo a citar, “ganhar o Euromilhões só seria milagre se o prémio saísse a quem não tivesse comprado o bilhete, mas tal não acontece.” E chega mesmo a dizer que (e eu concordo) “este meu raciocínio não deixa margem para os chamados milagres, em que obviamente eu não acredito. Deixa contudo margem para Algo, que dotou o universo de Leis.”
Acho que agora já consegui perceber porque é o que o Joaquim ficou tão impressionado com o meu relato. Existe ali um ligeiro problema de percepção da realidade. Ele vê milagres onde os milagres não existem. Depois, claro, fica impressionado.
Ou seja, há dois ou três dias eu não compreendia porque é que o Joaquim se tinha deixado impressionar por algo tão simples e que eu próprio, que vivi a “experiência”, considero absolutamente normal e até expectável face ao caminho que venho percorrendo. Agora consigo entender, é apenas uma questão de percepção.
Portanto, parte do problema reside em mim que não fui capaz de explicar as coisas de forma suficientemente clara e objectiva para uma pessoa “randianamente” racional.
Então vou tentar de novo. E faço-o porque considero que é minha obrigação defender o “caminho racional para Deus”.
Na nossa vida vamos tomando uma série de pequenas e, aparentemente insignificantes, decisões. Analisadas isoladamente algumas delas até poderiam cair completamente no esquecimento ao fim de uns dias, semanas ou meses. Outras perduram muito mais tempo.
Em cada uma dessas decisões poderíamos, noutro contexto, ter tomado precisamente a decisão oposta.
Um exemplo, eu actualmente entro num supermercado, escolho algo para os meus filhos comerem e depois pago a conta. Mas se não tivesse dinheiro entraria no supermercado, escolheria algo para o meus filhos comerem e depois sairia sem pagar.
Eu sou a mesma pessoa mas, fruto de uma série de dicisões diferentes no meu passado (e até talvez decisões dos meus pais), no momento actual poderei pagar ou roubar.
No fundo, o que quero transmitir é que na vida estamos permanentemente a jogar ao euromilhões sendo que cada jogada afecta (determina em maior ou menor grau) as jogadas seguintes.
Um dia, sem milagres nem palermices sobrenaturais, se tivermos uma boa memória, alguma sensibilidade, alguma atenção ao pormenor vamos aperceber-nos que apenas algumas dessas milhares de decisões estão ligadas e que fazem sentido.
As ligações são tão fortes e tão absolutamente extraordinárias que, se formos pessoas racionais e objectivos, somos forçados a interrogar-nos sobre como é que isto é estatisticamente possível? Isto, do ponto de vista estatístico, não deveria acontecer. Não é racional que aconteça.
Isoladamente, sim. Pode acontecer. É racional que o euromilhões saia uma vez. Mas se sair várias vezes à mesma pessoa deveremos suspeitar que algo não está certo. Ou melhor, começa a ser é racional especular se não haverá é Algo que esteja muito certo.
Resumindo, parece-me que o Joaquim dá demasiada importância ao acessório (a “experiência” que aqui relatei) e tende a esquecer o essencial (vários anos de “jogo”).
É como se um homem andasse várias semanas perdido numa floresta nas montanhas e, naturalmente, tivesse de ir tomando decisões para sobreviver, ou seja, jogando ao euromilhões sendo que cada jogada poderá determinar as seguintes e, em última análise, ditar a sua sobrevivência ou a sua morte.
Ao fim de uns dias depois de várias decisões que se afiguram mais “acertadas”, mas já faminto, cheio de sede e quase a morrer avista lá ao longe, no alto, uma grande luz amarela em forma de M.
Quando o homem vem aqui, numa simples caixa de comentários, dizer que ao fim de uns dias encontrou comida o Joaquim tem a percepção de que o homem relata um verdadeiro milagre.
Eu, lamento, mas só vejo o culminar de uma caminhada no sentido “certo”. E nem sequer este era o único caminho porque, como o Joaquim sabe, no sopé das montanhas existem, pelo menos, mais uns 3 ou 4 restaurantes.
O milagre não existe Joaquim. O “milagre” está no caminho... é durante o caminho que vamos jogando milhares de vezes ao euromilhões. O fim da viagem é apenas, digamos, a aceitação e interiorização de que fazemos parte de um “jogo” muito maior. Socorrendo-me das suas palavras, de que “Algo dotou o universo de Leis.”
9 comentários:
Entretanto, enquanto corria, consegui descobrir mais uma coisa que bate certo na história do homem perdido nas montanhas que, finalmente, encontrou o restaurante.
Sabem o que o salvou? A comunidade.
Tal e qual como eu já tinha comentado aqui ao PA.
Um homem racional só chega a Deus através da comunidade.
Sozinho, só consegue ir até certo ponto.
Caro anónimo,
... considero que é minha obrigação defender o “caminho racional para Deus”.
Não há caminho racional para Deus. É possível justificar Deus por via racional, digo filosófica, mas ninguém "chega a Deus por via racional".
É como o amor - é possível estudá-lo racionalmente, mas ninguém se enamora dessa maneira e "Deus caritas est".
Joaquim
Joaquim,
Há um caminho racional para Deus, V. é que ainda não o encontrou.
PA
Caro Joaquim,
Essa é muito fácil de responder e só preciso de uma frase.
E nem sequer tenho de a escrever.
"Há um caminho racional para Deus, V. é que ainda não o encontrou." - PA
Como é que sabe que esse caminho é o caminho para Deus?
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Porque é que esse caminho não é o caminho para o diabo?
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Rb
"O milagre está no caminho..."
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O que é isso?
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Que milagre é esse que existem tantos quantos as pessoas no planeta?
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Milagre é milagre. Um caminho é um caminho. Um ocorrência sem explicação racional é um milagre. Um caminho é uma direcção que tomamos.
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Nao vejo como o milagre esteja no caminho. Se eu decido ser médico nao ha milagre algum. Ha uma decisao minha que se explica por inumeros factores. Gosta de salvar vidas, quero ter um bom salario, gosto de trabalhar com enfermeiras. Onde está o milagre?
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Rb
Um milagre é eu ter nascido sem cérebro e milagrosamente ter sobrevivido e comentar no PC.
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Rb
Sempre haverá pessoas com graça... mesmo estando sem esperança.
eao
Abraço amigo do eao.
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