Neste post pretendo ilustrar, no seguimento do post anterior, como a incapacidade de asbtracção dos portugueses, manifestada na sua tendência para acumular factos sem critério, e na sua inabilidade para o pensamento abstracto, torna impossível chegar à verdade e, portanto, fazer justiça.
Retomo o caso Madoff a que esta semana me referi aqui. A verdade acerca de Madoff é a de que ele é um burlão, e dos maiores de sempre. O caso foi descoberto em Dezembro. O julgamento começou esta semana e a leitura da sentença está prevista para o início de Junho. O sistema de justiça americano demorou três meses apenas para chegar à verdade - a de que Madoff é um grande burlão - a tal ponto que já o mandou esta semana para a cadeia, de onde só sairá para o cemitério.
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Para tanto bastaram dois ou três factos essenciais, como por exemplo: 1) o de que ele burlou os seus clientes utilizando em proveito próprio ou perdendo na bolsa o dinheiro que estes entregaram à sua gestão, e enviando-lhes extractos falsos que exibiam ganhos sobre o capital investido; 2) que a burla foi cometida ao longo de cerca de 20 anos; 3) que o montante global da burla ascende a um montante estimado entre $40 e $60 biliões de dólares. Nada mais.
O apuramento de todos os factos vai demorar anos: a identidade de todos os clientes ao longo dos últimos vinte anos; o montante em que cada um foi burlado; as centenas de operações de bolsa que ele fez e os milhares que simulou; o que fazia ao dinheiro que recebia dos clientes; o montante total e exacto da burla; os instrumentos financeiros em que investiu ou simulou investir; etc.
Se fosse em Portugal o caso só chegaria ao tribunal ao final de vários anos, após o apuramento de todos os factos que ocorreram ao longo de vinte anos, período durante o qual alguns dos clientes já morreram ou já não possuem os extractos que recebiam de Madoff. Entretanto, o período de prisão preventiva, no caso de ele ter sido submetido a essa medida de coacção, estaria esgotado e ele já estaria cá fora. O processo teria então 45 volumes e 34 mil páginas e milhares, senão mesmo milhões, de factos.
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Primeira dificuldade: qual é o juiz que consegue ler, digerir e ponderar, 34 mil páginas relatando factos referentes a assuntos altamente especializados, como são os financeiros, incluindo swaps, contratos de futuros sobre o Nasdaq, o cobre e o sumo de laranja, operações curtas e operações longas, hedging, opções de venda sobre acções da Microsoft e de compra sobre a IBM, obrigações a curto e a longo prazo e margin calls? Onde é que está no mundo o homem que consegue fazer isto? Não existe.
Em seguida, qualquer advogado de defesa, mesmo de terceira classe, iria impugnar centenas dentre os milhares de factos, por exemplo provando que a burla ao cliente Hugh Smith não foi, como consta dos autos, $15,356.25, mas $15,336.25, interrompendo o julgamento por três semanas enquanto o juiz manda os peritos reconfirmarem o montante. Não é até impossível que, confirmado o erro, o advogado de Madoff ponha uma acção ao cliente Hugh Smith por perjúrio ou por difamação, tendo-lhe imputado uma burla superior àquela que ele cometeu, e pedindo uma indemnização de um milhão de dólares.
Estes incidentes vão-se multiplicar às centenas, tornando o julgamento interminável. Um tribunal superior será chamado a decidir se os processos de Madoff contra Hugh Smith, mais todos aqueles respeitantes a clientes a quem entretanto o advogado de Madoff colocou acções em tribunal pelas mesmas ou diferentes razões, serão julgados em conjunto com o processo original ou separadamente.
Passados quinze anos o processo continua em julgamento ou parado à espera de sete decisões que dependem de tribunais superiores e 143 peritagens. Madoff, que tem agora 70 anos, morre nesse ano com 85. Este sistema de justiça é incapaz de chegar à verdade e, portanto, de fazer justiça.
Retomo o caso Madoff a que esta semana me referi aqui. A verdade acerca de Madoff é a de que ele é um burlão, e dos maiores de sempre. O caso foi descoberto em Dezembro. O julgamento começou esta semana e a leitura da sentença está prevista para o início de Junho. O sistema de justiça americano demorou três meses apenas para chegar à verdade - a de que Madoff é um grande burlão - a tal ponto que já o mandou esta semana para a cadeia, de onde só sairá para o cemitério.
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Para tanto bastaram dois ou três factos essenciais, como por exemplo: 1) o de que ele burlou os seus clientes utilizando em proveito próprio ou perdendo na bolsa o dinheiro que estes entregaram à sua gestão, e enviando-lhes extractos falsos que exibiam ganhos sobre o capital investido; 2) que a burla foi cometida ao longo de cerca de 20 anos; 3) que o montante global da burla ascende a um montante estimado entre $40 e $60 biliões de dólares. Nada mais.
O apuramento de todos os factos vai demorar anos: a identidade de todos os clientes ao longo dos últimos vinte anos; o montante em que cada um foi burlado; as centenas de operações de bolsa que ele fez e os milhares que simulou; o que fazia ao dinheiro que recebia dos clientes; o montante total e exacto da burla; os instrumentos financeiros em que investiu ou simulou investir; etc.
Se fosse em Portugal o caso só chegaria ao tribunal ao final de vários anos, após o apuramento de todos os factos que ocorreram ao longo de vinte anos, período durante o qual alguns dos clientes já morreram ou já não possuem os extractos que recebiam de Madoff. Entretanto, o período de prisão preventiva, no caso de ele ter sido submetido a essa medida de coacção, estaria esgotado e ele já estaria cá fora. O processo teria então 45 volumes e 34 mil páginas e milhares, senão mesmo milhões, de factos.
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Primeira dificuldade: qual é o juiz que consegue ler, digerir e ponderar, 34 mil páginas relatando factos referentes a assuntos altamente especializados, como são os financeiros, incluindo swaps, contratos de futuros sobre o Nasdaq, o cobre e o sumo de laranja, operações curtas e operações longas, hedging, opções de venda sobre acções da Microsoft e de compra sobre a IBM, obrigações a curto e a longo prazo e margin calls? Onde é que está no mundo o homem que consegue fazer isto? Não existe.
Em seguida, qualquer advogado de defesa, mesmo de terceira classe, iria impugnar centenas dentre os milhares de factos, por exemplo provando que a burla ao cliente Hugh Smith não foi, como consta dos autos, $15,356.25, mas $15,336.25, interrompendo o julgamento por três semanas enquanto o juiz manda os peritos reconfirmarem o montante. Não é até impossível que, confirmado o erro, o advogado de Madoff ponha uma acção ao cliente Hugh Smith por perjúrio ou por difamação, tendo-lhe imputado uma burla superior àquela que ele cometeu, e pedindo uma indemnização de um milhão de dólares.
Estes incidentes vão-se multiplicar às centenas, tornando o julgamento interminável. Um tribunal superior será chamado a decidir se os processos de Madoff contra Hugh Smith, mais todos aqueles respeitantes a clientes a quem entretanto o advogado de Madoff colocou acções em tribunal pelas mesmas ou diferentes razões, serão julgados em conjunto com o processo original ou separadamente.
Passados quinze anos o processo continua em julgamento ou parado à espera de sete decisões que dependem de tribunais superiores e 143 peritagens. Madoff, que tem agora 70 anos, morre nesse ano com 85. Este sistema de justiça é incapaz de chegar à verdade e, portanto, de fazer justiça.
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