23 janeiro 2009

A Verdade


O tema que o Joaquim levanta neste post é um tema muito importante e com vastíssimas consequências. Trata-se do problema da relação entre as pessoas e a verdade. No episódio relatado pelo Joaquim, a diferença é de natureza cultural, e a sua origem é religiosa. Trata-se de uma diferença importante entre a cultura católica (representada por Portugal) e a cultura protestante (representada pelos EUA). A cultura católica lida com a verdade de uma maneira muito diferente da cultura protestante.

Antes de prosseguir, gostaria de relatar um episódio relacionado com o do Joaquim. Tenho um filho médico, e ainda recentemente discuti com ele a situação colocada pelo Joaquim: o médico sabe que o doente está na iminência de morrer. Deve dizer-lhe a verdade?. O conselho que dei ao meu filho foi: "Não digas a verdade ao doente em situação terminal. Se ele te perguntar, desvia a conversa ou inventa uma história, mas nunca lhe digas a verdade. A nossa cultura lida mal com a verdade" . O meu conselho seria diferente se vivesse nos EUA, na Inglaterra ou no Canadá.

Na nossa civilização cristã, a Verdade é Deus. Na tradição católica, o povo não se relaciona com a Verdade (Deus). É um escol que o faz - o clero. O povo não é suposto sequer ler o Livro que contém a Verdade - a Bíblia. É ainda o escol que o faz. Nesta tradição, então, a Verdade é reservada a um escol que depois a comunica ao povo, em fragmentos e sob a sua discrição, mas nunca de uma forma completa.

Na tradição protestante é diferente. Qualquer homem do povo tem uma relação directa com a Verdade (Deus), e é suposto ler o livro que contém a Verdade. A relação com a Verdade é aqui uma relação próxima, directa, íntima. Pelo contrário, na tradição católica é uma relação distante, intermediada pelo escol, exterior. Na tradição protestante, o homem do povo procura a Verdade e é suposto chegar a ela. Na tradição católica ele não procura tal coisa - it's not his business. E se algum fragmento da Verdade lhe chega, só lhe chega porque lhe foi contado por alguém que ele reconhece como pertencendo ao escol - porque o escol, esse sim, é que se ocupa dessas coisas da Verdade.

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