12 junho 2007

os herdeiros de maquiavel


Qualquer que tenha sido a razão de fundo para o adiamento sobre a decisão do futuro aeroporto de Lisboa, não foi certamente o «interesse público» que orientou a atitude do governo. Não é, de facto, crível que o interesse comunitário carecesse de mais um adiamento de seis meses, até porque o assunto em causa está em discussão há anos e sobre ele havia já uma decisão final, presume-se, devidamente fundamentada.
Na verdade, mais do que o «interesse público», foram interesses políticos, de agenda político-partidária eleitoral, que estiveram em causa. E é natural que assim seja: os governos costumam gerir o seu tempo previsível de legislatura em função dos calendários eleitorais. Nos municípios passa-se o mesmo. E em todas as sociedades onde o poder resulte do sufrágio, onde os governantes careçam do apoio e das boas graças dos governados para conquistarem e se manterem no poder, é e será sempre assim.
Esta é, de resto, a natureza da política: a conquista, o exercício e a manutenção do poder do Estado, ou seja, da soberania política. O poder, e não o «interesse público», é a sua finalidade, e a satisfação dos clientes, que são os eleitores (momento em que o exercício do poder se poderá aproximar mais de uma ideia de serviço público), é meramente instrumental e não o fim em si mesmo da actividade política: os governantes pretendem agradar aos eleitores porque querem os seus votos para se manterem no poder. Não exactamente para lhes serem agradáveis ou sequer úteis. E quem imaginar que a política é o contrário disto, ou é ingénuo ou gosta de sofrer desilusões.
No fim de contas, do que aqui se trata é de reconhecer um domínio próprio para a política enquanto actividade humana e social, aquilo a que os herdeiros de Maquiavel, como Carl Schmitt e Julien Freund, chamam a «essência da política». Numa palavra, a política não se confunde com qualquer outra actividade humana, menos ainda com a caridade ou a beneficência social. Tem um objecto – o poder, um método – a divisão da sociedade em grupos concorrentes de amigos e de inimigos, e regras comportamentais próprias para a disputa e conquista da soberania. Nessas regras, a moral e o altruísmo não estão certamente incluídos.
Também os liberais, todos os liberais e sobretudo os liberais, nunca depositaram grandes ilusões na política e na capacidade dos governantes para promover o «interesse público» e a felicidade alheia. Ao contrário da esquerda, que acredita que a política é capaz de criar um «homem novo» e uma «sociedade igualitária», ao invés da maior parte da direita, que espera pela providência de Deus ou de um homem para manter a «boa ordem» social, o liberalismo conhece bem os homens e a política, e sabe com exactidão o que os primeiros querem da segunda. Por terem essa exacta noção, é que os liberais desconfiam do Estado e dos governantes. E preferem, apesar de tudo, que os homens se entendam de igual para igual, isto é, no mercado, do que se tenham de submeter ao egoísmo da soberania.

3 comentários:

Fernanda Valente disse...

Perante esta análise contundente da política e dos políticos, mas, ainda assim, bastante realista, resta-nos a opção de nos atirarmos ao rio...

PintoRibeiro disse...

A Fernanda foi ao ponto...
Bom dia, abraço.

Anónimo disse...

Ah, a soberania é um egoísmo... Não sabia.
E se assim é, suponho que a soberania popular - isto é, a democracia - seja um egoísmo como qualquer outro.
Logo, perfeitamente dispensável, ou até nociva, em comparação com o mercado.
Boa.
No mercado puro, é claro, não aparecem gangs nem barões, ninguém procura o poder e a violência é impensávelvel, já que todos procuram enriquecer com as mesmas armas, de acordo com as regras...
Espera... Regras? Eu escrevi regras?! Devo estar alucinado. Regras? Estabelecidas por quem?! Por quem tem o poder? Mas se ninguém tem o poder!
Pois é... Parece que há quem se gabe de conhecer a natureza humana. Destes é o Reino dos Céus.