A Lei 83/2017 sobre o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo (cf. aqui) é dirigida prioritariamente às entidades financeiras (artº 3), mas também abrange outras entidades, incluindo as sociedades de advogados (artº 4º).
Esta lei obriga todas as entidades abrangidas a reportar directamente ao Ministério Público todas as operações financeiras suspeitas de representar lavagem de dinheiro ou financiamento de actividades terroristas (artº 43º).
Em 2020 a Ordem dos Advogados decidiu dar-lhe um pequeno retoque, especialmente dirigido às sociedades de advogados. Trata-se de uma daquelas iniciativas próprias da cultura prevalecente na advocacia, que consiste em dar a aparência de uma coisa quando a realidade é outra.
Segundo um regulamento da Ordem, todas as sociedades de advogados são obrigadas a designar um dos seus membros responsável por identificar no seio da sociedade casos de eventual lavagem de dinheiro.
Aqui está a primeira ironia. O crime de lavagem de dinheiro tem dois criminosos, a sociedade de advogados e o cliente. A ironia é que, segundo este regulamento, o "polícia" é pago pelo próprio criminoso, a sociedade de advogados.
Ao contrário do que se aplica às outras entidades abrangidas pela lei 83/2017, a sociedade de advogados não reporta directamente ao MP as suspeitas de lavagem de dinheiro ou de financiamento de terrorismo que incidam sobre os seus clientes. Reporta-as à Ordem dos Advogados e é esta, caso entenda, que reporta ao Ministério Público.
Ora, a segunda ironia é que, a presidir ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que recebe as denúncias, está o advogado Paulo Sá e Cunha, posto lá por uma grande sociedade de advogados, a Cuatrecasas, e que, em 2023, se mudou para a Abreu Advogados (cf. aqui). Imagina-se a quantidade de denúncias oriundas da Cuatrecasas e da Abreu Advogados que chegam ao Ministério Público via Conselho Superior da Ordem dos Advogados.
De resto, a grande preocupação da Abreu Advogados em relação à nova regulamentação, expressa pelo seu mananging partner Duarte de Athayde, é que ela não perturbe o sigilo profissional:
"(...) O managing partner da Abreu Advogados espera que a aplicação destas medidas não “destrua o segredo profissional”, pois considera ser um “princípio essencial no qual assenta a relação de confiança que tem de existir entre cliente e advogado”. (cf. aqui)
Na realidade, sem o sigilo profissional, uma boa parte das sociedades de advogados iriam à falência. E uma boa parte dos seus advogados iriam directamente para a prisão.
Esperemos que isso nunca aconteça ao candidato a Presidente da República, ex-Abreu Advogados, Luís Marques Mendes, sobretudo se for eleito.

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