08 setembro 2024

CAPAS NEGRAS

 


CAPAS NEGRAS

 

Quando eu frequentei a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, no milénio passado, o traje académico — a capa e batina — era considerado reacionário e de mau gosto. Talvez por isso, espanto-me com a quantidade de estudantes universitários que atualmente se pavoneia pelo País de traje a rigor, para gáudio da populaça.

 

O que terá mudado? Dou por mim a questionar-me...

 

Penso que a democratização do ensino superior será a causa principal. Milhares de jovens de famílias pobres e remediadas, que antes do 25/4 teriam poucas possibilidades de entrar na Universidade, fazem questão de ostentar esse símbolo elitista do antigamente, sem se darem conta do ridículo da situação. Em primeiro lugar porque os bacharéis e licenciados actuais já não constituem uma elite, mas apenas uma tropa fandanga apostada em desbaratar os recursos familiares e nacionais. Em segundo lugar porque os diplomas académicos estão desvalorizados no mercado de trabalho e melhor seria aprenderem uma profissão.

 

Presumo que não haja um único estudante universitário em Portugal que conheça as origens do traje, excepto, por suposto, os mestrandos e doutorandos em estilismo, pois se a conhecessem teriam um pouco de cobro em embebedarem-se até ao coma na queima das fitas.

 

A capa e batina (ou abatina, de abade) tornou-se o traje clerical da Igreja Católica após o Concílio de Trento, no século XVI, e chegou à universidades por estas estarem dominadas pelo clero. O sacana do Pombal, ao que dizem, embirrava com o traje académico pelo ódio que nutria aos jesuítas, que acabou por expulsar do País.

 

O negro das vestes clericais expressava simplicidade, pobreza e humildade e a “morte do ego”, para uma vida de renúncia aos prazeres mundanos e de dedicação total ao serviço de Deus e da Igreja Católica.

 

Esta morte do eu (do ego) explica tudo o que eu penso sobre a actual moda de vestir de negro. Uma renúncia à individualidade através do conformismo com os ditames da época.


Este conformismo, que se revela também nos trajes académicos, é o contrário de tudo o que seria de esperar das universidades e dos estudantes universitários. O sistema cria rebanhos de ovelhas em vez de incentivar o aparecimento de “cisnes negros”.

 

O desfile destes “trajantes” de capa e batina só expõe as vistas curtas dos estudantes e o mau-gosto da tribo, características da boçalidade das bebedeiras e do rasganço das vestes em Coimbra.



Claro que Portugal é (quase) caso único no mundo com este hábito medieval e demonstra que as universidades são mais uma das causas do nosso proverbial atraso.

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