31 julho 2022

uma cultura de encobrimento

A imputação ao cardeal patriarca, D. Manuel Clemente, do encobrimento de um padre pedófilo, que fez notícia esta semana, é apenas um sinal do que está para vir quando a Comissão Independente sobre os abusos sexuais na Igreja reportar no final do ano.

Refiro-me à cultura de encobrimento que vigora na Igreja Católica sobre este assunto.

Em Portugal, em termos socio-políticos, nada se inova e tudo se imita. E aquilo que a Comissão Independente está a fazer, e as conclusões a que vai chegar, não serão diferentes daquelas a que chegou uma comissão francesa (CIASE) que recentemente reportou sobre o assunto.

Vale a pena citar o relatório da CIASE (ênfases meus)

"§0075 Sur la plus grande partie de la période étudiée par la CIASE, il résulte de ces observations une qualification des faits par la commission qui peut se résumer dans les termes d’occultation, de relativisation, voire de déni, avec une reconnaissance toute récente, réellement visible à compter de 2015, mais inégale selon les diocèses et les congrégations" (cf. aqui, p. 42)

Quer dizer, a cultura vigente na Igreja Católica em relação aos abusos sexuais de crianças cometidos no seu seio resume-se em três palavras - ocultação (ou encobrimento), relativização e negação. Duas destas facetas - o encobrimento e a relativização - estão patentes na defesa que o juiz Vaz Patto  tem vindo a fazer da Igreja Católica sobre este assunto e a que me referi no post anterior.

A mesma cultura no seio do Movimento dos Focolares foi trazida à luz pela auditora britânica GCPS recentemente. Ao longo de mais de 30 anos, um membro consagrado, amigo pessoal da fundadora e presidente do Movimento, Chiara Lubich, abusou serialmente de crianças e adolescentes, com o conhecimento da hierarquia, e sem que alguém lhe pusesse cobro. E, obviamente, não se tratava de um caso isolado, como nota a auditora - existia uma cultura de abuso dentro da instituição que era mantida pelo encobrimento, pela relativização e pela negação.

Como se pode ler nas conclusoes finais do relatório:

"The Movement chose to conceal, minimise and deny the facts (...)" (cf. aqui)

A Conferência Episcopal Portuguesa - que é o órgão máximo da Igreja Católica em Portugal - bem pode preparar-se para os tempos difíceis que aí vêm, e o juiz Vaz Patto também porque é membro da CEP, embora laico. Vão ter de explicar se sabiam dos casos de pedofilia no seio da Igreja e, na hipótese afirmativa, porque é que não os reportaram às autoridades. 

O juiz Vaz Patto já começou a dar a explicação - não existe lei que a isso obrigue em Portugal (cf. aqui)

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