O caso André Ventura vs. Família Coxi, que tem feito manchetes nos últimos dias - primeiro, por o Supremo ter recusado apreciar o recurso de Ventura, depois por Ventura ter anunciado que vai recorrer para o TEDH -, é bem ilustrativo do estado da justiça em Portugal.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) foi adoptada em 1950, mas só entrou em vigor em 1953 (cf. aqui). Portugal, sob o regime do Estado Novo, nunca aderiu à CEDH e ao Conselho da Europa, que é quem administra a Convenção. A adesão de Portugal a uma e a outro viriam a ocorrer em 1978 já sob o regime democrático.
No tempo do Estado Novo, a liberdade de expressão estava restringida por lei. Não admira, portanto, que no confronto entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra - um conflito de direitos que ocorre tipicamente nos processos por difamação - a jurisprudência portuguesa fizesse prevalecer o direito à honra sobre o direito à liberdade de expressão. Esta era, por assim dizer, a jurisprudência fascista, para utilizar uma expressão cara a certos democratas.
Quando Portugal aderiu à CEDH em 1978, o TEDH tinha já uma extensa jurisprudência democrática que, ao contrário da jurisprudência fascista do Estado Novo, dá um predomínio decisivo ao direito à liberdade de expressão sobre o direito à honra.
Seria apenas natural conceder aos tribunais e aos juízes portugueses um período de adaptação à nova jurisprudência que representava uma inversão completa da jurisprudência fascista que estavam habituados a aplicar nos processos por difamação. Dez anos talvez parecesse um prazo razoável.
Aquilo que não é nada natural é que, 41 anos depois da nossa adesão à CEDH, e depois de múltiplas condenações de Portugal no TEDH por causa desta questão, o Supremo Tribunal de Justiça se sinta na necessidade de vir dizer aos tribunais inferiores, em modos bastantes enfáticos, que têm de abandonar a jurisprudência fascista nos processos por difamação e adoptar a jurisprudência democrática do TEDH (cf. aqui).
Como não é nada natural que hoje, 43 anos depois, e apesar do ralhete do Supremo aos tribunais inferiores, estes continuem a aplicar a jurisprudência fascista, como aconteceu este ano ao André Ventura, que foi alvo dela, primeiro por um tribunal cível de primeira instância e depois pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Mas o que é menos natural de tudo é que os grandes adeptos da jurisprudência fascista que condenou o André Ventura por ofensas à honra da família Coxi não sejam mais velhos salazaristas, mas os grandes democratas do PS e do PSD que controlam o sistema de justiça, acompanhados pelos militantes do Bloco de Esquerda que rejubilaram com a condenação e estão a dar gás a outras condenações semelhantes (cf. aqui e aqui).
Perante este quadro, se, ao final de 43 anos de adesão à CEDH, o progresso registado na adaptação dos tribunais portugueses à jurisprudência democrática do TEDH, é aquele que acabo de descrever, o que se pode concluir?
Que nesta matéria - como provavelmente em muitas outras - os democratas portugueses nunca deixaram de ser fascistas.
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