16 maio 2021

Um trinta e um (4)

 (Continuação daqui)



4. Dois murros na mesa.

A questão é tão simples que eu não gostaria deixar passar a efeméride - o facto de que o trinta e um faz hoje 16 meses (foi publicado a 16 de Janeiro de 2020, cf. aqui) - sem voltar ao assunto.

O acórdão 595/2018 (cf. aqui) do Tribunal Constitucional estabeleceu uma daquelas jurisprudências de se lhe tirar o chapéu, negando o direito constitucional ao recurso a quem, tendo sido absolvido em primeira instância, fosse inovadoramente  condenado na Relação a pena de multa ou outra não-privativa de liberdade. 

Estavam nesta situação os guardas da GNR. Tinham sido absolvidos em primeira instância do crime de denúncia caluniosa ao juiz Neto de Moura (a quem tinham autuado por conduzir um carro sem matrícula). A Relação inverteu a decisão e condenou-os a uma multa de 2340 euros (e a uma indemnização de nove mil euros ao juiz).

À luz da jurisprudência do cordel do TC a sentença era inapelável, não havia recurso para o Supremo.

Ninguém podia compreender, menos ainda os comandos da GNR e das outras forças de segurança. No exercício da sua missão, os guardas tinham autuado um juiz prevaricador, mas quem acabava condenado eram os guardas, e não o juiz., que ainda levava para casa nove mil euros de indemnização. Além disso, o Estado, que era o empregador dos guardas, ainda os multava em 2340 euros por eles cumprirem a sua missão - autuar os transgressores do Código da Estrada.

Foi o Professor Costa Andrade, presidente do TC, que safou a situação.  Chamou a sua assessora Mariana Canotilho, que entretanto havia sido promovida a juíza conselheira do TC [alimentando a esperança democrática de que, um dia, uma mulher da limpeza do TC que se disponha a fazer um curso de Direito também chegará ao topo da magistratura, entrando pelo telhado] e os dois, no âmbito da 3ª Secção, cozinharam o trinta e um, que foi aprovado à rasquinha com o voto de qualidade do presidente.

Temporariamente, o problema ficou resolvido, mas só temporariamente. É que, neste caso, como o trinta e um contrariava a "jurisprudência" do TC estabelecida no acórdão 595/2018, a própria Lei do TC exige que ele seja ratificado no Plenário.

Ora, quem lesse as declarações de voto dos "juízes" do TC no acórdão 595/2018 e em outros acórdãos sobre a mesma matéria, facilmente concluiria que, com excepção de Costa Andrade e Mariana Canotilho, todos os "juízes" seriam contra a ratificação do trinta e um em Plenário. Quer dizer, quando fosse levado ao Plenário, o trinta e um seria chumbado por uma votação  esmagadora de 11-2. E, agora, com a saída do Professor Costa Andrade, o chumbo será ainda mais esmagador: 11-1.

É por isso que não se compreende - sendo tudo isto tão simples, sendo até o resultado conhecido à partida, não se perde tempo nenhum no Plenário, é só levantar o braço e passar ao assunto seguinte -, por que é que, passado todo este tempo, o trinta e um não tenha sido levado ao Plenário, e não tenha havido um juiz do TC - um só - que desse dois murros na mesa, levantasse a voz e perguntasse:

-Mas, então, quando é que o trinta e um vai ao Plenário!? 

Não se compreende.

(Continua)

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