01 janeiro 2021

o silêncio do Ministério Público

"Os membros do Ministério Público pretendem passar a imagem de que são ungidos e imaculados, e que seus agentes são imunes às fraquezas humanas como a corrupção, o abuso, a ganância, etc." (cf. aqui)


O post anterior ilustra outro aspecto - na realidade, um dos aspectos mais subtis - da politização do nosso sistema de justiça, e que é o seguinte: aquilo que é crime em Portugal e aquilo que não é crime é o Ministério Público que o define. O crime em Portugal tem uma definição política, não é algo objectivo que exista aos olhos de todos os cidadãos.

Se me roubarem a carteira, eu posso apresentar queixa no MP. Mas o carteirista só será levado a julgamento se o MP considerar que houve crime. Caso contrário, o carteirista não será levado a julgamento e não haverá condenação, ficando eu sem a minha carteira e o carteirista com ela.

Claro que, se o carteirista for da cor política do governo, a probabilidade é que o MP considere que não há crime e não produza acusação; mas se o carteirista não for da cor política do governo, a probabilidade é que o MP considere que houve crime e haja acusação.

Portanto, a existência ou não de crime depende de quem é o carteirista, significando que o nosso sistema de justiça é o oposto do sistema de justiça de um Estado democrático de direito, onde o crime é definido por lei de maneira geral e abstracta e é independente da pessoa do carteirista. 

Duas conclusões resultam do exposto.

A primeira é a de que, mesmo em democracia, nenhum cidadão português tem direito a acusar criminalmente outro. Esse é um direito que a Constituição não lhe consente. O monopólio da acusação criminal em Portugal pertence ao Estado, a acusação criminal está estatizada no Ministério Público.

A segunda, que decorre da anterior, é que, perante os mesmos factos, só serão levados a julgamento aqueles que o MP quiser - em regra, os adversários do poder político -, e não serão levados a julgamento aqueles que o MP  não quiser - normalmente, os amigos do poder político.

Nas duas situações ilustradas no post anterior, os factos são os mesmos - a  viciação dos procedimentos de selecção de pessoal. Mas, enquanto num caso, o autor da proeza é um ex-deputado do PSD, na altura a presidir ao Turismo do Porto e Norte, no outro é a ministra da Justiça do actual governo PS.

Claro que, no primeiro caso, o MP considera que há crime (cf. aqui), enquanto que, no segundo caso, considera que não há crime nenhum.

De facto, um dos aspectos mais salientes acerca da viciação dos procedimentos de selecção do representante português para a Procuradoria Europeia (cf. aqui), é o silêncio do Ministério Público. Ainda não se ouviu o MP vir a público dizer que abriu um inquérito para investigar o que se passou. E, mesmo que o venha a fazer, é mais que certo que vai ficar tudo na gaveta, pelo menos enquanto o PS estiver no poder.      

Enfim, um carteirista em Portugal, desde que esteja associado ao poder político, pode roubar carteiras à vontade que dificilmente será levado à justiça.

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