04 dezembro 2020

o sistema

 "Entre as recomendações não aplicadas está, por exemplo, o facto de o Conselho Superior da Magistratura ter uma maioria de não-magistrados, o que é considerado pela GRECO como um possível risco para a independência dos magistrados". (cf. aqui)

Foi assim que o jornal Expresso, em Março, comentava  o último relatório do GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção) do Conselho da Europa. Em 2015, o GRECO recomendara aos Estados membros 15 medidas para combater a corrupção entre juízes, deputados e magistrados do MP.

No final de 2019, apenas uma destas medidas estava plenamente implementada em Portugal e dizia respeito ao Ministério Público - a publicitação das medidas disciplinares aplicadas ao procuradores do MP. 

Das seis medidas que diziam respeito ao juízes, nenhuma estava implementada. Uma delas estabelecia que no órgão de governação dos juízes - o Conselho Superior da Magistratura (CSM) - os juízes deviam estar em maioria.

-E não estão?

-Não.

Na entrevista que deu ao Público esta semana e que, numa pequena parte, reproduzi em baixo (cf. aqui), o líder do Chega, André Ventura, voltou a dizer que queria acabar com "o sistema". 

O que é que ele significará com isto - o que é "o sistema"?

Um dos pilares em que assenta uma democracia é o princípio da separação de poderes e, em particular, a independência do poder judicial em relação ao poder político (executivo e legislativo). Esta independência tem em vista impedir que o poder político domine o poder judicial e, a pretexto de estar a fazer justiça, esteja mas é a perseguir os adversários políticos. É desta última maneira que agem as ditaduras.

E, em Portugal, o poder judicial é independente do poder político?  

Nos últimos quarenta anos, o poder político em Portugal tem sido repartido entre o PS e o PSD em regime de alternância. São estes dois partidos, tanto naquilo que os une, como naquilo que os separa, que, em primeiro lugar, representam "o sistema" em Portugal. 

Ora, todos os países necessitam na sua vida política de "um sistema" que assegure alguma estabilidade  e, ao mesmo tempo, alguma abertura e tolerância à crítica para que o sistema se possa adaptar às novas circunstâncias e às novas concepções da vida em sociedade e se possa reformar. É um sistema aberto que permite realizar o ideal da "sociedade aberta" expresso por Karl Popper no seu clássico "A Sociedade Aberta e os seus Inimigos".

O mal de um sistema está  quando ele possui um carácter fechado e autofágico, um sistema que se alimenta a si próprio, que não precisa de mais nada nem de mais ninguém, que não tem lugar para a inovação, a  crítica e a capacidade de ajustamento às novas circunstâncias. É com este tipo de sistema que o André Ventura parece querer acabar em Portugal.

Que o PS e o PSD desde há 40 anos dominem o poder político em Portugal é a expressão da vontade do povo português. Agora que, desde essa altura, eles tenham vindo a dominar também o poder judicial - o que, por seu turno, os ajuda a reforçar o seu próprio poder político - é que já não é aceitável numa democracia. Aliás, é uma característica própria da ditadura.

Num post anterior (cf. aqui) referi como, desde 1982, ano em que foi criado, o Tribunal Constitucional se tem vindo a tornar gradualmente o supremo tribunal do país, ocupando o lugar que antes pertencera - e deve pertencer - ao Supremo Tribunal de Justiça. O TC é um tribunal político onde o PS e o PSD dominam de maneira quase absoluta (cf. aqui). Portanto, o supremo tribunal de Portugal é, hoje em dia, um tribunal político, e não um tribunal de justiça.

E quando se olha para a composição do Conselho Superior da Magistratura - que é o órgão que, entre outras coisas, decide a promoção dos juízes - e que o Conselho da Europa, através do GRECO, considera que tem de ser composto maioritariamente por juízes, aquilo que se observa é que entre os seus 17 membros, nove são políticos, com domínio praticamente absoluto do PS e do PSD (cf. aqui). 

A justiça democrática é corrompida quando é dominada por políticos, e não por juízes e é contra isto que o GRECO se insurge. "Quem se mete com o PS leva", disse um dia um destacado militante deste partido. A frase só peca por defeito porque se aplica também ao PSD. Em conjunto, estes dois partidos controlam tudo em Portugal - o poder legislativo, o poder executivo e, o que é mais extraordinário, também o poder judicial. É o sistema fechado perfeito. 

A medida 26 do Chega (cf. aqui) é um grande passo para acabar com esta situação. E também um grande passo para acabar com "o sistema" em Portugal, salvando a democracia.

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