12 dezembro 2020

Camarate, 1980 (1)

 



Victor João Lopes de Brito Cor. PilAv (ref) 

Piloto de Linha Aérea, PI e PE (Piloto Instrutor e Piloto Examinador Sénior)

Fundador e ex-responsável pela EAA-Escola de Aviação Aerocondor; 

Cofundador da AAE-Aeronatical Academy of Europe


1. INTRODUÇÃO

O acidente de Camarate tem vindo a ser utilizado para alimentar jogos políticos e a maioria dos portugueses está convencida de que a morte do Primeiro-Ministro Sá Carneiro e da sua comitiva se ficou a dever a um atentado.

Também os deputados da Assembleia da República, embora não todos, depois de se terem nomeado, até à data, quase uma dúzia de comissões parlamentares, continuam a defender esta tese.

Entretanto eu próprio, que fui quem comecei a ministrar os primeiros cursos de piloto de multi-motores, em Portugal e todos os pilotos profissionais que conheço, técnicos aeronáuticos, investigadores de acidentes, sabemos, desde o princípio que, para este avião se ter despenhado, não precisava de ter sido sabotado, ou envenenados os seus pilotos dadas as condições totalmente opostas às regras de segurança de voo em que o voo foi efetuado. 

Não pretendo fazer nenhum juízo sobre se houve crime ou não. Vou falar apenas sobre aspetos de caracter técnico aeronáutico e de performance ou desempenho de aviões do tipo do Cessna 421, Golden Eagle em que o acidente ocorreu.

Já foram lançados vários livros e filmes sobre Camarate, gastaram-se muitos milhões de euros e já se desperdiçou demasiado tempo a alimentar a curiosidade mórbida do povo português com um tema que a todos afetou, mas que, por isso mesmo, merecia ser tratado com independência e desligado de paixões políticas.

Esta postura não contribui para o prestígio do Parlamento Português. Apenas o último livro com o título “Grande Embuste”, que só agora tive oportunidade de ler, constitui uma investigação isenta que vale a pena conhecer. O autor, o jornalista José Manual Barata-Feio, teve o trabalho e a coragem de pôr a descoberto a enorme quantidade de incongruências e de disparates que, ao longo de 40 anos foram ditos e escritos sobre este voo. 

Lamenta-se que nenhum dos livros tenha sido escrito por pilotos ou engenheiros aeronáuticos. Então por que não fui eu próprio a fazer este livro? É uma boa pergunta, mas, se me tivessem feito esta pergunta, eu diria que, de facto, tive a ver com a primeira investigação e a única que foi conduzida no próprio local onde o avião se despenhou e antes dos destroços terem sido removidos. 

Eu explico: Em 1980, era administrador de Pág. 2 uma empresa sedeada no Aeródromo de Cascais, a AEROAVIA, Sociedade Aeronáutica SARL, para a qual eu tinha obtido a representação da marca CESSNA em Portugal.

O Subdiretor Geral da DGAC, Direção Geral de Aviação Civil, Coronel Engenheiro Aeronáutico Morgado, telefonou-me no dia a seguir ao acidente a pedir para a fábrica CESSNA enviar um técnico para fazer um exame aos destroços do avião.

Falei imediatamente com Bruxelas sede da CESSNA na Europa e, prontamente, foi enviado o piloto e engenheiro holandês John Diheric que eu já conhecia e que passou 2 dias a examinar e a tirar fotografias ao avião acidentado no local onde caiu, tendo sido este e o da DGAC, Autoridade Nacional de Aviação Civil, os únicos relatórios baseados em investigações feitas no próprio local do acidente, isto é, antes de os destroços terem sido removidos.

Antes de regressar a Bruxelas teve uma reunião comigo e contou-me tudo o que viu e que eu já suspeitava que tivesse acontecido, em resumo: Paragem do motor esquerdo à descolagem por falta de combustível, as pás da hélice não estavam em bandeira e, por esse motivo, o avião caiu poucos segundos à frente. Confirmou no terreno que a manette da bandeira estava à frente em vez de estar atrás, a asa esquerda não tinha combustível e a direita estava quase cheia. A hélice do motor esquerdo tinha tocado no solo com pouca velocidade de rotação sem potência, em “moinho de vento”. A hélice do outro motor entrou no solo a rodar e com tração como demonstravam as pontas das pás dobradas para a frente.

Não conseguiu descobrir qualquer vestígio de explosão provocada por sabotagem. Fui, por esta via, das primeiras pessoas a saber o que tinha realmente acontecido e nunca pensei que viessem a transformar esta trágica ocorrência num instrumento político ao ponto de passados 40 anos, ainda se estar a gastar tempo e dinheiro público tentando demonstrar que não houve acidente nenhum, o que houve foi sabotagem, foi um crime e não um acidente.

Quando me apercebi que se pretendia aproveitar este acidente para fins políticos não escrevi um livro, mas fiz um artigo no qual tentei demonstrar que não seria preciso sabotar o aparelho para que este se tivesse despenhado e que, nas condições em que o voo foi executado, o acidente era INEVITÁVEL. 

Este artigo foi publicado pelo EXPRESSO e, por várias revistas da especialidade. Até hoje, não recebi qualquer desmentido ou expressão de desacordo. 

(Continua)


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