23 julho 2020

a confiança pública

O jornal ECO está a prestar um verdadeiro serviço público com a série de artigos que está a publicar sobre a Acusação do Ministério Público no caso BES.

O terceiro artigo da série, a que faço referência no post em baixo, é um verdadeiro trecho de um filme de Hollywood só possível nas mentes ignorantes e obsessivamente criminosas dos procuradores do Ministério Público.

O Ricardo Salgado em pessoa comanda a contratação de um capanga na Venezuela, com nome de porteiro espanhol e identidade falsa, que vai convencer a petrolífera venezuelana a aplicar milhões de dólares em títulos de empresas do GES.

A história termina em desastre. A petrolífera perde todo o dinheiro que investiu, mas Don Corleoni comporta-se como um verdadeiro cavalheiro pagando as comissões que eram devidas ao testa-de-ferro com nome de porteiro ibérico.

O artigo de hoje - o quarto da série - é dedicado às auditoras (cf. aqui).

Ricardo Salgado e os seus capangas estão acusados pelo Ministério Público de falsificarem a contabilidade do BES e de várias empresas do grupo.

É crime a falsificação da contabilidade. Um banco como o BES, cotado em bolsa, era obrigado a reportar ao mercado os seus resultados ao final de cada trimestre, a fim de que os investidores pudessem avaliar a situação do banco e, com base nisso, tomarem as suas decisões de investimento, comprando ou vendendo acções do BES.

Evidentemente, o mercado é feito de pessoas comuns - o chamado público - que não tem competência para avaliar se os reportes contabilísticos do BES eram verdadeiros ou falsos.

Foi precisamente para isso - por que o público é geralmente ignorante -, que o sistema capitalista ou economia de mercado desenvolveu instituições que se substituem ao público e assegurarem a confiança pública na informação que as empresas prestam ao mercado.

Uma dessas instituições é a da auditoria. Em Portugal, qualquer sociedade anónima, como o BES, tem de ter, por imposição legal, um Revisor Oficial de Contas (ROC), que é um auditor interno da empresa. No caso de um banco com a dimensão do BES é no seu interesse, para além do ROC, contratar auditores externos para reforçar a confiança na informação que o banco presta ao mercado. No BES, estas duas funções de auditoria eram desempenhadas por uma das maiores e das mais reputadas empresas de auditoria do mundo - a KPMG.

Falsificar a contabilidade é crime. Mas certificar uma contabilidade falsificada é um crime ainda maior. É certificar que o público irá a ser enganado de certeza.

As empresas de auditoria existem para que o público não seja enganado. Num mundo de pessoas perfeitamente honestas e informação perfeitamente fiável, as empresas de auditoria não são precisas para nada.

Elas existem para detectar as falhas de informação que o público não detecta e os seus colaboradores são profissionais altamente remunerados para desempenharem essa função. Uma empresa de auditoria que se deixa levar por informação falsa está a ser cúmplice do crime de falsificação da contabilidade.

Em 2002 nos EUA, uma empresa de grande dimensão - a Enron - abriu falência quando se descobriu que falsificava a contabilidade. A auditora, que era uma das maiores do mundo - a Arthur Andersen -, foi responsabilizada criminalmente e os seus colaboradores também. A tal ponto que não resistiu ao abalo na sua reputação e acabou ela também na falência.

Pois bem, os procuradores do Ministério Público não são juízes, mas já julgaram e decidiram que as auditoras estão inocentes. Coitadinhas, foram também enganadas pelo malandro do Ricardo Salgado e dos seus capangas.

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