I. Procurador da República
Foi a melhor notícia da fase post-confinamento.
Recebi-a há dois dias quando escrevia um post (cf. aqui) que remetia para a última Lista de Antiguidades publicada pelo Ministério Público.
Eu gosto de contemplar listas de antiguidades. Faz-me bem imaginar como deve ser a personalidade daquelas pessoas que sobem na vida à custa da desgraça alheia - a morte daqueles que lhes estão à frente.
Uma destas características de personalidade deve ser o apreço que têm pela morte - dos outros, bem entendido - porque a sua vida melhora à medida que os outros vão morrendo.
À custa de contemplar listas de antiguidades, eu próprio - tenho de admitir -, acabei por ganhar um certo gosto pela morte - dos outros, é certo - mas ainda assim, um certo gosto pela morte.
A minha lista de antiguidades preferida é a do Ministério Público que, na sua última edição, está até em versão "Diário da República" (cf. aqui). Não há-de haver lista de antiguidades mais perfeita, com aquilo tudo medido ao dia, e há-de ser também a mais legal. Presumo que foi tudo o que os magistrados do Ministério Público fizeram durante o período do confinamento, o produto acabado de dois meses de tele-trabalho.
A última vez que consultara a Lista de Antiguidades do Ministério Público tinha sido no princípio do ano passado, e a lista referia-se a Dezembro de 2018. Foi um desalento ver que o magistrado X continuava a marcar passo na categoria de "Procurador Adjunto", ocupando a posição 116ª nessa categoria (cf. aqui, pág. 42ª).
"Ainda não deve ser este ano (2019) que vai ser promovido", pensei na altura. É que ele tinha ainda 115 à frente, era muita gente para morrer ou para se reformar num ano só, tanto mais que 2019 estava a ser um ano normal, sem covid ou qualquer outra pandemia.
Quando o conheci, faz agora dois anos, rapidamente me habituei a admirar o magistrado X por duas qualidades que eu próprio não tenho. Uma era a sua argúcia. A outra era a qualidade de cábula que o meu olho de professor via nele - a capacidade para ir pela vida fora estudando pouco e copiando muito nos exames.
Agora, descobrira-lhe uma terceira qualidade, que eu próprio também não tenho - o estoicismo profissional. O estoicismo para aguentar quase vinte anos na mesma categoria profissional sem se mexer, à espera que a vida passasse por ele, e que morressem ou se reformassem magistrados do Ministério Público em número suficiente à sua frente para que ele próprio pudesse subir de categoria.
E foi então, seria Março ou Abril do ano passado, que eu próprio dei por mim a fazer preces a Deus para que morressem ou se reformassem em 2019 pelo menos 115 magistrados do Ministério Público com categorias superiores às de "Procurador Adjunto", que era a categoria do magistrado X, ou com essa mesma categoria, mas com mais anos de antiguidade do que ele.
E se Deus não me atendesse no ano de 2019, então - pedia eu - que o fizesse em 2020, com a crise do covid, e levasse piedosamente para o céu os tais 115 necessários para que o magistrado X pudesse subir na carreira.
Por entre estas preces é que surgiu a grande notícia. Há dias, consultando a Lista de Antiguidades do Ministério Público, relativa a 31 de Dezembro de 2019, que foi publicada em Maio, constatei, encantado, que o magistrado X tinha finalmente sido promovido a "Procurador da República".
É certo que era agora 661º na respectiva lista de antiguidades. Mas tinha subido um escalão, ao fim de vinte anos, e isso é que interessava - uma escalão em vinte anos! Era agora "Procurador da República" (cf. aqui, p. 171), e não mais um mero "Procurador Adjunto". E além disso, tinha mudado de tribunal, já não andava misturado com criminosos, que são mais propensos a transmitir o covid.
Deus atendeu as minhas preces, promoveu o magistrado X.
Mas, pelo caminho, nem tudo foram rosas.
(Continua)
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