PÁSCOA 2020
Conto de confinamento
Era uma vez uma tribo de indígenas que vivia numa aldeia chamada Myra.
Myra tinha uma localização maravilhosa, num monte próximo do mar, com floresta e caça abundante.
Os indígenas de Myra desfrutavam de uma caverna muito ampla, com uma entrada camuflada pela vegetação, onde viviam protegidos das tempestades e dos predadores.
Quando saíam à caça, liderados pelo chefe Telo, o mais velho da tribo, procuravam sobretudo abater auroques, bois selvagens muito corpulentos e que davam para alimentar a tribo durante bastante tempo.
Na caverna, o Telo desenhava os auroques nas paredes e no teto, com tanto detalhe e perfeição que todos ficavam inspirados e com grande confiança no futuro. ‹‹Enquanto houver auroques em Myra o futuro é nosso›› – pensavam.
Até que um dia apareceu em Myra um leão gigantesco, a que chamaram Coron por ter uma juba enorme que lhe adornava a cabeça como uma coroa. O Coron também caçava os auroques que cedo fugiram para longe para escapar às garras e aos dentes do Coron.
Sem caça grossa por perto, o Coron começou a rondar a caverna da nossa tribo de Myra, espalhando o pânico e impedindo os indígenas de sair.
A tribo reuniu-se, com todos em pânico, para debater como reagir ao Coron. Telo foi o primeiro a falar:
- Temos de ficar aqui confinados até o Coron debandar – disse.
Telo já tinha quase 40 anos, algumas sequelas físicas, e seria certamente uma presa fácil para um animal tão ágil e feroz como o Coron.
- Mas se não arriscarmos morremos aqui à fome – contrariou Taz.
Taz era bastante mais jovem, com cerca de 30 anos e um porte atlético, em melhores condições físicas do que Taz para confrontar quaisquer perigos. Depois sentia o apoio da Magda, a mulher, e a responsabilidade pela Miski que ainda nem sequer tinha completado 1 ano de idade.
- O que achas Magda? – perguntou Taz.
Magda era uma líder nata, respeitada por todos e tão conhecedora dos recursos naturais de Myra como o Telo.
- Não podemos sobreviver sem assumir riscos – disse. Tudo o que nos rodeia é nosso, foi-nos dado por Deus para desfrutarmos e não podemos entregar esse privilégio a uma besta como o Coron. Nem ficar prisioneiros do pânico...
Depois de muito refletirem e discutirem ficou decidido que na manhã seguinte Taz sairia de novo à caça, chefiando um grupo de caçadores.
Ao raiar do Sol, Taz partiu à procura de auroques, mas Telo decidiu ficar resguardado na caverna, com as mulheres e as crianças, convencido de que o risco de sair era muito superior ao risco de continuar o confinamento por mais algum tempo.
Eis senão quando se ouve na caverna um rugido infernal, Coron tinha conseguido entrar e estava agora no refúgio sagrado da tribo, com fogo nos olhos e trovões a brotarem-lhe da garganta. Telo levantou-se meio trôpego, mas foi imediatamente dominado pela fera que o abocanhou e arrastou para fora da caverna.
O susto foi tão grande que toda a tribo ficou aterrorizada a um canto, à espera de nova investida, que felizmente não ocorreu.
No dia seguinte Taz regressou eufórico, com um auroque já esquartejado. Estava garantida a sobrevivência da tribo. Ao chegar à caverna, porém, constatou que o Coron jazia morto à entrada, com restos do corpo de Telo ainda visíveis.
Magda e Miski receberam-no eufóricas.
- Estávamos cheias de medo, mas já passou – confessou Magda.
A tribo comeu, dançou e depois reuniu-se à volta do fogo para ouvir Taz fazer o relato da caçada. No dia seguinte enterraram os restos do Coron e do Telo e rezaram ao Sol, na praia de Myra.
Magda era agora a chefe incontestada da tribo. Sabia avaliar riscos e decidir o melhor plano de ação a cada momento. Como costumava dizer:
- Parar é morrer!
FIM
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