09 janeiro 2020

A cerimónia

A cerimónia de abertura do ano judicial que teve lugar em Lisboa na passada segunda-feira com a presença dos mais altos representantes dos juízes, dos magistrados do ministério público e dos advogados, e ainda de representantes do Governo (ministra da Justiça), do Parlamento (presidente da AR), tudo sob a presidência do Presidente da República, é uma cerimónia anti-democrática, atentatória do Estado de Direito e que devia ser banida (cf. aqui).

Os portugueses gostam de cerimónias. Mas não conheço cerimónia semelhante em qualquer país de longa tradição democrática.

Num país democrático a justiça é exercida em nome dos cidadãos. Mas, como muito bem assinalou o Miguel Sousa Tavares, os cidadãos foram os grandes ausentes da cerimónia. Pelo contrário, todas as corporações de juristas estiveram lá representadas (cf. aqui).

São os seguintes os sinais que esta cerimónia transmite:

Primeiro, o corporativismo do poder judicial onde as três corporações que o dominam - advogados, juízes, ministério público - se encontram reunidas na grande corporação dos juristas.

Esta cerimónia, às vezes tem preparação em ambientes mais restritos, como aquela reunião em Tróia, há dois anos, das várias sub-corporações dos juristas para articularem os seus interesses corporativos comuns (cf. aqui)

A questão é que, quando os juízes tiverem de dirimir uma questão em tribunal onde, de um lado, estejam advogados, e do outro cidadãos comuns, a imparcialidade dos juízes fica comprometida por esta promiscuidade corporativa

(Aconteceu no meu case study (cf. aqui) em que, contra toda a jurisprudência aplicável, os juízes decidiram ostensivamente a favor dos advogados. Fica-se na dúvida legítima de que decidiram assim porque os conhecem, e até são amigos deles, por virtude da promiscuidade corporativa alimentada por estas reuniões e cerimónias).

Segundo, a cerimónia reúne os três poderes do Estado sob a presidência do Presidente da República. Ela releva da nossa tradição autoritária e antidemocrática (monarquia absoluta, regime salazarista) em que os três poderes do Estado estavam sob uma autoridade pessoal (rei, Salazar).

Ora, em democracia, estes poderes não se misturam uns com os outros, nem fomentam a promiscuidade entre eles como estas cerimónias fazem. A regra democrática é a separação de poderes, "cada macaco no seu galho", para utilizar a expressão popular.

Terceiro, a cerimónia transmite vários sinais da submissão do poder judicial ao poder político, com juízes e ministério público a pedirem dinheiro ao poder político para os mais diferentes fins. São os empregados a pedir dinheiro ao patrão. Sinal mais ostensivo desta submissão só quando os sindicatos dos juizes e do ministério público andam de chapéu na mão a pedir aumentos de salários ao Governo (como aconteceu antes das eleições).

É ainda o reflexo da nossa tradição autoritária e anti-democrática em que o poder judicial está ao serviço do poder político e se vê a si próprio como um braço do poder político.

(No meu case study, o juiz Vaz Patto é um exemplo: decide a favor do político Paulo Rangel porque não convém hostilizar os políticos que são quem determina o vencimento dos juízes e porque precisa de dinheiro do Estado para financiar a sua associação O Ninho, a qual é financiada em mais de 90% por dinheiro público, quase meio milhão de euros ao ano (cf. aqui))



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