A contratação, em Março passado, de Soraia Sáenz de Santamaria, vice-primeira-ministra do Governo de Mariano Rajoy, pela sociedade de advogados Cuatrecasas, continua a gerar ondas de choque em Espanha (cf. aqui).
A questão foi discutida em Espanha sob muitos ângulos, sendo que um dos principais objectos da curiosidade dos jornalistas foi o salário da ex-governante (600 mil euros ao ano). O tema serviu também para trazer à superfície que essa prática não representa um acontecimento isolado na vida da sociedade, mas uma verdadeira tradição, ou "modus operandi", como é chamada no post em baixo.
A tradição, porém, não se esgota em empregar políticos, mas inclui também empregar juízes e magistrados do Ministério Público. Não deixa de ser curioso que para ilustrar essa tradição da sociedade espanhola tenha sido utilizado um nome português - o de António Vitorino - que representa uma espécie de dois-em-um pois era simultaneamente ex-ministro e ex-juiz (cf. aqui).
Teria sido interessante também mencionar outro exemplo português, o do Paulo Rangel que, entre 2012 e 2016 chefiou o escritório da Cuatrecasas no Porto. A originalidade deste caso é que, ao contrário de Vitorino ou de Soraia Sáenz, Rangel não era um ex-político, mas um político no activo - eurodeputado do PSD e vice-presidente do Partido Popular Europeu.
O que é que a Cuatrecasas procura obter quando emprega políticos, juízes e magistrados do Ministério Público? E que consequências resultam daí para a empresa?
Eu vou concentrar-me apenas num dos objectivos que a empresa visa conseguir ao empregar políticos e magistrados. Trata-se de traficar influências, a fim de poder manipular a justiça (e a política) a seu favor e dos seus clientes.
Assim, por exemplo, se a sociedade tem um processo a correr no Tribunal X e emprega ex-juízes, é natural que estes conheçam os seus ex-colegas do tribunal X e possam influenciar o processo. O mesmo com magistrados do MP.
Para não ir mais longe a dar exemplos, eu penso que ninguém que tenha acompanhado o meu case study acredita que o processo foi parar às mãos daquele juiz relator do Tribunal da Relação do Porto por obra e graça do Espírito Santo - um juiz que é companheiro de causa do Paulo Rangel na Associação O Ninho (cf. aqui). Já para não falar na doçura com que o magistrado X tratou a administração do HSJ e a Cuatrecasas no tribunal de primeira instância (cf. aqui).
Mas é uma outra consequência desta tradição da Cuatrecasas em empregar políticos, juízes e procuradores do MP que eu gostaria de fazer ressaltar aqui.
Quem tem capacidade para manipular a justiça atrai invariavelmente grandes criminosos. Para um grande criminoso que tenha de escolher entre uma sociedade de advogados que pode manipular a justiça a seu favor (e possui o capital humano para isso) e outra que não tem essa capacidade, ele escolhe obviamente a primeira. Desde que o grande criminoso, para além de ser um grande criminoso, seja também um criminoso endinheirado, porque os que não têm dinheiro não interessam à sociedade.
Não surpreende, por isso, que a Cuatrecasas tenha a reputação de ter a mafia russa entre os seus clientes mais fieis (cf. aqui e aqui). E quem disseminou esta reputação sabe do que fala porque era, à data, magistrado do Ministério Público de Espanha.
A Cuatrecasas nega (cf. aqui), mas eu posso testemunhar que a verdade não é propriamente a maior qualidade da Cuatrecasas.
Há evidências que é impossível negar (cf. aqui)
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