12 setembro 2019

efeméride

Eu vou agora interromper a série de posts que tenho vindo a escrever sobre o liberalismo para deixar registada neste blogue uma efeméride.

A efeméride comemora-se amanhã, 13 de Setembro, quando passam seis meses sobre a data (13 de Março) em que ocorreram dois acontecimentos que têm grande significado para mim. O segundo destes acontecimentos eu só teria conhecimento dele cerca de duas semanas mais tarde.

O assunto tem que ver como o meu case study e leva-me de volta ao post que tem o título "o acordão" (cf. aqui). Talvez por este blogue ser muito lido por juristas - advogados, magistrados do Ministério Público e até juízes - este post tem um número inusitado de partilhas (cerca de mil e quinhentas).

O primeiro acontecimento é que nesse dia, 13 de Março, eu estava internado na Casa de Saúde da Boavista, no Porto. Tinha sido internado na véspera e iria ser submetido a uma operação de urgência ao coração no dia seguinte. Tinha-me sentido mal na véspera e fui fazer exames. Já não saí da Casa de Saúde. Os exames indicavam que eu tinha tido um pequeno enfarte do miocárdio e estava em risco iminente de ter outro maior e certamente fatal.

Quanto ao segundo acontecimento, eu só tive conhecimento dele no final do mês.

Nesse dia, 13 de Março - soube mais tarde -, enquanto eu jazia numa cama de hospital, teve lugar no Tribunal da Relação do Porto a apreciação dos recursos do meu case study:  o meu, que pedia a anulação da condenação de primeira instância por ofensas à Cuatrecasas; e o do Paulo Rangel, que pedia que eu fosse condenado por difamação agravadas à sua pessoa, e de que tinha sido absolvido em primeira instância.

Segundo a acta, a que mais tarde tive acesso, estiveram presentes três juízes, os dois a quem tinha sido atribuído o processo - a juiz relatora, o juiz adjunto - e ainda, por inerência, o presidente da secção a que o processo foi distribuído. Estiveram ainda presentes os dois acusadores, pela acusação particular, o Papá Encarnação, pela acusação pública, o magistrado Y (António Vasco Guimarães); e ainda a minha advogada, pela defesa.

Desse julgamento - porque, na realidade foi de um julgamento que se tratou -, saiu o referido acórdão, que não apenas confirmava a minha condenação de primeira instância (ofensas à Cuatrecasas) como me passava a condenar por difamação agravada ao Paulo Rangel, de que eu tinha sido absolvido em primeira instância.

Eu tomei conhecimento do acórdão, em primeiro lugar, através de um jornalista que logo me preveniu "Olhe que a decisão foi política". E, na realidade, como eu viria a verificar mais tarde, os dois juízes que votaram pela condenação - ao contrário da juiz que votou pela abolvição -, têm ambos um perfil político. Um deles, passa o tempo a fazer política, polemizando sobre causas fracturantes e até participando em manifestações à porta do Parlamento (cf. aqui). O outro só não é hoje um político profissional, em lugar de ser juiz, porque a população de Bragança não deixou (cf. aqui).

Quando tomei conhecimento do julgamento de 13 de Março no Tribunal da Relação do Porto que viria a ditar o acórdão de 27 do mesmo mês, eu estava ainda cheio de agrafes no peito a unirem as duas partes do esterno que tinha sido aberto ao meio. As dores eram imensas, a cada movimento dos braços ou até da respiração. Mas tudo isso eu esqueci, enquanto procurava dar conta da realidade que se me abria perante os olhos:

-Então, eu tinha sido condenado sem sequer ter sido convocado para me poder defender!?

É verdade, eu tinha sido condenado sem sequer ter tido a oportunidade para me defender.

É preciso muita cobardia para acusar um homem de crimes que não existem, e eu já tinha dado conta de muita cobardia por parte da acusação pública e particular à medida que fui relatando os episódios do julgamento que se desenrolou no Tribunal de Matosinhos entre Fevereiro e Junho do ano passado. Mas obter a condenação de um homem que, ainda por cima, não cometeu crime nenhum,  sem sequer ele se poder defender, é o cúmulo da cobardia - e, naturalmente, da injustiça.

Foi então, ao tomar conhecimento da acta desse julgamento que tinha a data de 13 de Março, que o meu espírito naturalmente voou à procura de saber onde é que eu estava nesse dia. Estava deitado numa cama de hospital em risco de vida.

E recordei o dia das alegações finais no Tribunal de Matosinhos em que me pude defender. O Papá Encarnação e o magistrado X saíram de lá de rabo entre as pernas, o Papá Encarnação de tal modo envergonhado que nem compareceu dias depois à leitura da sentença. O juiz de primeira instância não acolheu nem um só dos argumentos da acusação pública e da acusação particular.

Talvez pela primeira vez na vida, depois de absorver tudo, eu tive pena de mim, um sentimento a que os ingleses chamam self-pity. Não só não me convocaram, e me condenaram sem eu me poder defender, como, por obra do diabo, mesmo que me tivessem convocado, nesse dia eu não estava em condições para me poder defender.

Miseráveis.

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