03 abril 2019

o acórdão

Conheci ontem o acórdão do Tribunal da Relação do Porto referente ao meu case study (cf. aqui) e que tem por centro este comentário televisivo (cf. aqui).

-O tribunal de primeira instância de Matosinhos tinha-me absolvido em Junho do crime de difamação agravada ao Paulo Rangel.  O TRP condena-me agora numa indemnização de 10 mil euros ao Paulo Rangel e em 5 mil euros de multa.

-O tribunal de primeira instância tinha-me condenado pelo crime de ofensa a pessoa colectiva a uma indemnização de 5 mil euros à Cuatrecasas e 4 mil euros de multa. O TRP mantém esta condenação.

Em cúmulo jurídico, a multa total é fixada em 7 mil euros.

O total é, portanto, 22 mil euros em indemnizações mais a multa, a que é necessário acrescentar ainda juros e custas judiciais.

A decisão dividiu os juízes. O juiz relator, Pedro Vaz Patto, e outro juiz, cuja assinatura é ilegível [Francisco Marcolino], votaram a favor da condenação. A juiz Paula Guerreiro (que inicialmente havia sido designada como relatora), invocando a jurisprudência do TEDH, votou vencida contra a condenação.

Na sua declaração de voto a juiz Paula Guerreiro lembra que Portugal já foi várias vezes condenado no TEDH por decisões judiciais como esta, que fazem prevalecer o direito à honra sobre o direito à liberdade de expressão e cita um acórdão do STJ (cf. aqui) para chamar a atenção dos seus colegas para o erro jurisprudencial que estavam a cometer. Mas não os conseguiu demover.

Tratava-se também de um caso em que o Tribunal estava em dúvida (há crime ou não há crime?), mas o princípio de Justiça in dubio pro reo foi esquecido. A tradição liberal do TRP, que foi dos primeiros tribunais superiores portugueses a acolher a jurisprudência democrática do TEDH, encontrou uma excepção, vá-se lá saber porquê.

Fica-se agora sem saber se no TRP é o direito à liberdade de expressão que prevalece sobre o direito à honra, como manda a jurisprudência democrática do TEDH, ou se é o direito à honra que prevalece sobre o direito à liberdade de expressão, como mandava a jurisprudência do Estado Novo e da Inquisição.

É a incerteza, que é o pior que pode acontecer à credibilidade da  Justiça. Eu diria mesmo, antes a Inquisição do que a incerteza, porque ao menos sabemos aquilo com que contamos.



Adenda em 16/07/19:

A situação de conflito de interesses em que se encontrava o eurodeputado Paulo Rangel e que é denunciada no meu comentário televisivo, é agora ilegal no país, em virtude de uma lei aprovada pela Assembleia da República em Junho deste ano: "Com as novas incompatibilidades hoje aprovadas, os deputados que sejam simultaneamente deputados e advogados têm de suspender funções se tiverem, nas sociedades de advogados a que pertencem, processos que envolvam alguma entidade do Estado" (cf. aqui).

Em suma, o acórdão premeia o vilão e penaliza quem o denunciou publicamente.

Falta acrescentar que o juiz Pedro Vaz Patto convive com o eurodeputado Paulo Rangel no seio de uma instituição privada - o juiz como presidente da Assembleia Geral (cf. aqui), o eurodeputado como membro da Comissão de Honra (cf. aqui).

2 comentários:

Manel da Calçada disse...

Vamos ter de pagar mais outra condenação pelo TEDH?
Vou emigrar prá Venezuela.

lusitânea disse...

Eles sabem que as costas do contribuinte são largas...