07 março 2019

os artigos da fé

Decidi repescar um post que escrevi há 9 anos e que dedico aos novos liberais portugueses (cf. aqui).

O que é que Hayek via nos "artigos da fé"?

O mesmo que Chesterton via na ortodoxia.

E que se pode resumir assim:

"Olha, o caminho é este. Se quiseres afastar-te dele ou transgredi-lo tens toda a liberdade de o fazer. Sujeitas-te é às consequências". 

Penso que esta é a essência da liberdade católica - que é a da nossa cultura portuguesa -, por oposição à liberdade protestante - que é aquela que nós, às vezes, procuramos importar.

A liberdade católica indica um caminho que é válido (bom) para todos, ao passo que a liberdade protestante deixa o caminho à escolha de cada um (como se "cada um" soubesse escolher um caminho - uns sabem outros não).

A liberdade católica assenta num conhecimento que é feito de experiência (tradição), ao passo que a liberdade protestante assenta num conhecimento que é um produto do intelecto (opinião).

Uma analogia, com as imperfeições que as analogias sempre têm, mas foi a melhor que encontrei.

Quem viaja de Lisboa para o Porto escolhe normalmente a A1. Tem duas faixas, às vezes três, separadas ora por traços contínuos, ora descontínuos, existindo um traço contínuo do lado direito e outro do lado esquerdo da via, este último reforçado por rails (que, em certos pontos, têm aberturas).

A liberdade católica diz-me que posso viajar à vontade para o Porto no sentido sul-norte. E posso mudar de faixa com traço contínuo? Claro que posso, sujeito-me é às consequências. Até posso conduzir pela faixa de apoio à direita e, se quiser, sair para as terras lavradas. Sujeito-me é às consequências.

E quanto a conduzir na A1 a 200 à hora? Também posso. Sujeito-me é às consequências. E mudar para a via norte-sul? Também posso, logo que encontre uma aberta nos rails. Escusado será dizer que fico é sujeito às consequências.

A liberdade protestante, pelo contrário, põe cada um a descobrir qual é o melhor caminho de Lisboa para o Porto. E a certa altura, decide por maioria. Se a maioria está numa de ecologia, e quer que a poluição vá tanto quanto possível para o mar, e não para terra, decide que o melhor caminho é pela beira-mar: Cruz-Quebrada, Cascais, Ericeira, Peniche, Foz do Arelho, S. Martinho do Porto, ...

E se estiver numa de montanhismo e decidir que o melhor caminho é pelas serras?...

Na Bíblia - cito-a aqui, entre nós, às escondidas das meninas do BE - a liberdade protestante, e os riscos que ela comporta, é exemplificada pelo episódio do filho pródigo.

Ele sabia lá escolher o caminho...

1 comentário:

C. disse...

Ainda ontem pensava exactamente isto (talvez com menos profundidade e sem a comparação com o protestantismo). Obrigada Pedro!