Cresci num período em que só havia um canal de televisão - a actual RTP1.
À Quinta-feira, havia tourada. Todas as quintas-feiras, a partir das 21 horas, durante a época tauromáquica, havia touradas na televisão, normalmente transmitidas a partir da Praça de Touros do Campo Pequeno.
Vi dezenas de touradas, porque nesse dia, a essa hora, não havia mais nada para ver na televisão. Também vi algumas ao vivo porque vivia perto do Campo Pequeno.
Nunca me tornei um aficionado, mas habituei-me a gostar de touradas. A pega de caras é o momento da tourada que eu mais aprecio.
Hoje, que as touradas estão sob ameaça, eu tornei-me um acérrimo defensor da tourada, mesmo se há muitos anos não entro numa praça de touros e, agora, elas raramente se vêem na televisão. É que, com o tempo, tenho vindo a descobrir os múltiplos significados culturais que a tourada encerra.
Aquele momento em que o forcado enfrenta o touro é, aos meus olhos, o momento de maior significado da tourada (cf. aqui). É o confronto entre o homem e a besta cada um munido somente com as armas que a natureza lhe deu. O forcado pode morrer, o touro nunca morre na pega.
A desproporção de forças é considerável e toda a vantagem está do lado da besta. As vantagens do forcado são ocultas e subtis - a coragem, a concentração, a inteligência. Mas a mais importante de todas é mesmo a mais íntima.
O forcado sabe que pode morrer ali, uma questão que ao touro nunca se põe. E, não obstante, arrisca a vida diante do touro. Parece uma irracionalidade e é por isso, talvez, que as touradas têm hoje tantos adversários.
Mas, então, porquê esse risco, na aparência tão absolutamente irracional?
Porque o forcado sabe uma coisa que o touro não sabe nem nunca saberá. Que a vida não lhe pertence. Que quem lhe deu a vida também lha pode tirar a todo o momento. E isso tanto pode acontecer a enfrentar o touro na arena como a atravessar a rua depois de uma noite de glória.
1 comentário:
Presumo que não acredita então na teoria das probabilidades no momento da morte pois somente Deus escolhe tirar a vida? É que dessa forma a probabilidade de alguém morrer a jogar roleta russa ou a dormir em casa seria a mesma... Sei que o PA disse que Deus está nos acasos, mas até os acasos seguem a teoria das probabilidades havendo acasos mais raros do que outros! É melhor por isso não facilitar então a decisão de Deus nos levar a vida não acha?
Enviar um comentário