Este é o caso típico de prostituição do sistema de justiça e que é um dos seus maiores males em Portugal - o sistema de justiça é utilizado como instrumento de intimidação e de tentativa de extorsão, e não para fazer justiça.
A consequência social perversa é a de desencorajar a actividade cívica de todo o cidadão.
Um cidadão, Arlindo Marques, dedica-se a proteger um bem público - o rio Tejo. O rio está limpo a montante de Vila Velha de Ródão e poluído a jusante, um facto que é testemunhado pela comunidade circundante. Em Vila Velha de Ródão encontra-se uma empresa de celulose - a Celtejo.
O cidadão denuncia a actividade poluidora da Celtejo. A Celtejo põe-lhe um processo-crime por difamação (pena máxima: 2 anos de prisão) e exige-lhe 250 mil euros de indemnização.
O Ministério Público aparentemente subscreve a acusação e o caso vai para julgamento. De trabalhos e despesas o cidadão já não se livra. A mensagem que é passada a este cidadão e a todos os outros é clara: "Põe-te a promover o bem-comum e vais ver o que te acontece...".
E por que é que nada disto é Justiça, mas sim intimidação e tentativa de extorsão (para além de desencorajamento de toda a actividade cívica)?
Porque este cidadão será de certeza absolvido (senão em primeira instância, seguramente numa instância superior).
Basta olhar para a jurisprudência que governa esta matéria (especialmente ponto 8, aqui). Para que seja considerado crime aquilo que o Arlindo Marques disse ou escreveu acerca da actividade poluidora da Celtejo, a Celtejo vai ter de provar:
a) Que o objectivo do Arlindo Marques não era legítimo.
Vai ter muita dificuldade, porque o Arlindo Marques está a prosseguir não só um objectivo legítimo - manter o Tejo limpo - como de verdadeiro interesse público porque o Tejo é de todos.
b) Que existe uma "necessidade social imperiosa" para impedir o Arlindo Marques de dizer ou escrever aquilo que disse ou escreveu acerca da Celtejo e da sua acção poluidora do Tejo.
Ora, as palavras do Arlindo Marques não produziram nenhum tipo de comoção social, nenhuma violação de segredo de Estado, não promoveram qualquer incentivo à violência, enfim, nenhum bem social relevante foi prejudicado pelas suas palavras.
A absolvição é certa. Mas então por que é que o Estado - através do Ministério Público - subscreve a acusação?
Porque o Ministério Público é a nova Inquisição, que serve para perseguir cidadãos independentes , a fim de que só os novos padres possam aparecer como os verdadeiros promotores do bem-comum.
Enquanto esta burocracia judicial existir com o poder que tem, que é o de criminalizar cidadãos inocentes, Portugal nunca será uma verdadeira democracia feita de cidadãos adultos e de espírito independente e cívico. A função do Ministério Público - como outrora a da Inquisição - é a de manter os portugueses num estado de infantilidade cívica permanente.
Para a Celtejo, o Ministério Público parece ser como o rio Tejo. Aceita todo o lixo que a empresa decide para lá mandar.
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