19 dezembro 2017

alisar montanhas

A notícia que o Joaquim colocou no post anterior está a ser ampliada pela comunicação social. De facto, o Cristiano Ronaldo, para além de ser uma excelente desportista, tem dado muitos sinais de ser também um excelente ser humano.

Porém, neste post eu queria referir-me aos obstáculos a que alude o Joaquim.

Segundo a minha experiência, obstáculos haverá sempre, mas a sua natureza dependerá da maneira como o Ronaldo organizar a dádiva do hospital pediátrico ao Estado chileno. As duas principais alternativas são as seguintes:

Cenário A. O Cristiano Ronaldo encarrega  a burocracia do Ministério da Saúde chileno de construir o hospital pediátrico e paga todas as facturas que lhe forem apresentadas a esse título.

Neste cenário o hospital pediátrico custará três vezes mais do que no cenário B (em baixo) e demora dez anos a fazer (mesmo se as obras propriamente ditas demoram apenas dois anos).

Vai ser necessário lançar um concurso público internacional para escolher a construtora, o qual pode demorar mais de um ano. O lançamento de um concurso público internacional é um trabalho altamente especializado, pelo que vai ser necessário contratar uma sociedade de advogados para o fazer.  Esta sociedade permanecerá avençada durante todo o período de realização da obra para fazer o seu acompanhamento jurídico (*).

O júri do concurso terá sete membros, todos pessoas altamente qualificadas em obras públicas do Governo chileno, e estas pessoas vão ter de ser pagas.

Antes de tudo isto, terá de ser feito o projecto do hospital. Há que pagar as despesas de uma delegação do Ministério da Saúde chileno para visitar os principais hospitais pediátricos na Europa, EUA, Canadá e Austrália, e tudo isto demora muito tempo e custa muito dinheiro.

Uma empresa de arquitectos fará então o projecto - uma empresa  provavelmente dirigida por um ex-funcionário do Ministério da Saúde que passou para  a actividade privada. Serão também necessários consultores para decidir a organização dos espaços.

O Cristiano Ronaldo oferece o hospital, mas depois, pelos anos fora, haverá custos de manutenção, a cargo do Governo chileno. Vai ser necessário empregar uma consultora ou duas para fazer os respectivos estudos, e decidir a própria dimensão do hospital - não vá o Ronaldo pagar por um hospital de 150 camas quando só são necessárias 148.

A meio da construção, e porque entretanto já passou muito tempo, o projecto vai ser redimensionado porque afinal são necessárias somente 45 camas e não 148 como inicialmente previsto. Todos os estudos terão de ser refeitos e pagos de novo.

Cenário B. É o próprio Cristiano Ronaldo que pessoalmente, e através de pessoas da sua confiança, dirige a obra, escolhendo a construtora e gerindo a construção do hospital pediátrico.

Neste cenário, o grande obstáculo é o Ministério da Saúde chileno disponibilizar um espaço para construir o hospital.

É sabido que o Chile é um país muito montanhoso, com montanhas distando duzentos metros umas das outras, cada uma com um pico mais afiado do que a anterior. Ora, não se pode construir um hospital pediátrico no pico de uma montanha. Uma ventania mais forte faria o hospital pediátrico rolar pela montanha abaixo, com evidente risco para as crianças.

Vai ser, portanto, necessário alisar uma montanha.

Alisar montanhas é uma tarefa ciclópica do ponto de vista burocrático. O Ministério da Cultura tem de estar envolvido porque no Chile as montanhas são património cultural. E também o Ministério do Ambiente porque alisar uma montanha tem um impacto ambiental considerável. Mais o Ministério da Economia, por causa do impacto sobre o turismo, o Ministério das Obras Públicas para organizar o trabalho, mais o das Finanças para o pagar.

E é preciso fazer estudos acerca de tudo isto. Um dos mais importantes será mandado fazer pela Comissão para Igualdade do Género para se certificar que o futuro hospital pediátrico receberá pelo menos tantas meninas quantos os meninos.

Vão ser necessários muitos consultores e especialmente sociedades de advogados para dirimir em tribunal, até ao Supremo, entre os grupos de interesses que acham melhor que se alise a montanha A, e não a montanha B ou C.

Isto vai durar pelo menos 30 anos. O Ronaldo vai ficar à espera este tempo todo até que a burocracia lhe disponibilize um espaço para fazer o hospital pediátrico.

No fim, e baseado na minha experiência, eu sugiro ao Cristiano Ronaldo que opte pelo cenário A. Tem de pagar àquela tropa toda, o hospital pediátrico vai custar três vezes mais caro, mas, ao menos,  faz a obra em 10 anos e não a deixa para a eternidade.


(*) Eu recomendo-lhe a Cuatrecasas que é muito boa nisto.


PS. Afinal, não se confirma. Sem efeito, provavelmente depois de ler este meu post.

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