27 novembro 2017

HONOUR!

O poder executivo e o poder legislativo em Portugal já se habituaram razoavelmente às regras e à convivência democrática. A dificuldade da democracia portuguesa actual está no poder judicial que, em parte, ainda vive no passado. Refiro-me particularmente à fase de instrução criminal, que é aquela que tenho vindo a tratar. O mesmo se passa em Espanha.

No caso do direito à liberdade de expressão vs. direito à honra,  embora Portugal tenha aderido à CEDH em 1978, só nos últimos dez a quinze anos a jurisprudência portuguesa começou a absorver a jurisprudência europeia do TEDH nesta matéria. Não surpreende que assim seja.

Tomando o ano 2000 como referência, quem eram os juízes que nesse ano estavam no Supremo? Eram homens e mulheres que nasceram nos anos 30 e que, por alturas do 25 de Abril de 1974, quando foi instaurada a democracia,  eram já juristas feitos e formados no tempo do Estado Novo.

Estes juízes foram formados num tempo em que o direito à liberdade de expressão valia zero e o direito à honra dez. Ter-lhes-á sido muito difícil conceber e aceitar um mundo às avessas, vindo do TEDH, em que o direito à liberdade de expressão passou a valer dez e o direito à honra zero.

Foram as condenações impostas pelo TEDH ao Estado português e a maior disponibilidade de informação acerca da sua jurisprudência que obrigaram a jurisprudência portuguesa a mudar, embora o processo ainda não esteja completo.

O Ministério Público, esse, é que continua a comportar-se como na Inquisição, e a dar rotineiramente seguimento a queixas por ofensas ao direito à honra, como se tivesse parado no tempo, quando numa boa parte dos países democráticos a difamação já foi descriminalizada há muito.

Quem consegue imaginar numa Inglaterra que é paradigma da tradição democrática uma pessoa a reclamar um direito tão bizarro como the right to honour?

-My honour!... I invoke my right to honour!....HONOUR!...

Os ingleses, que são monárquicos e têm uma aristocracia, não o reclamam (porque ele não existe), e riem-se de quem o reclama (porque é um direito típico de uma sociedade aristocrática). Os portugueses, que são republicanos, reclamam-no a torto e a direito.

Que República aristocrática é este nosso Portugal...HONOUR!...Please, respect my HONOUR!...Otherwise I'll put you in JAIL!

Que as pessoas tenham honra, muito bem e é desejável que a tenham. Mas não pode ser um direito. E muito menos um direito criminalizável.

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